quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Ligação

Dois corpos fundem-se!
Liga que liga o ineligável.
Na bigorna, à força de martelo,
A liga incandescente, jorra!
Forja o sentido
E, na água imbuída,
Solta a fragrância
Em fumo, que é desejo; agridoce.
A tempera rasga sorrisos
Gera suspiros e gemidos
Que, em jaculação,
Derramam,
Apoteoticamente, a inquietude
Num mar, remanso, de cumplicidade.
Novo tempo, novas virtudes,
Incônditas, nascem!
Ó abraços, entre braços laços
Ó palavras soltas de conteúdo
(Verbo de encher e vazar).
Calor, suor e marcas do amor
Tudo no lençol derramado
Recordando às almas fundidas
Que em eclipse sempre novo
O desejo, cálido
Pingo a pingo rola
E, a taça, húmida, já chora
Pelo martelo que na bigorna
O anseio, feito desejo, molda.

tÓ mAnÉ

A todas as mães

Quantos e quantas,
Dias e noites; vigílias insones
Espaços intemporais,
Que ontem, hoje e amanhã,
Velam sobre um filho,
Nos olhos e coração de uma mãe?...
Que em troca de nada
Tudo dá! Até aquilo que não tem.
E, nesse olhar cansado
Que nunca da luta se cansa
Verte um líquido sagrado
Que não é lágrima
É esperança!...

tÓ mAnÉ

Ser um só?

Porque me faltas tu?
Porque não te tenho nos braços?
Quero esmagar teu peito contra o meu,
Quero que meu desejo se enlace no teu,
Ser um só.
Quero ter-te!
Quero sentir o teu corpo húmido,
Quero sentir-te, escorrendo quente, entre meus dedos,
Quero o teu sabor na minha língua,
Quero o teu corpo vibrante e fremente,
Quero sentir-te ondular em mim,
Quero ouvir os teus ais e os teus suspiros,
Quero ouvir dobrar os teus sinos,
Quero, finalmente, o teu cansaço,
Desfalecendo no meu abraço,
Quero ouvir o teu sussurro em meu ouvido,
Lambendo-me a alma,
No inverso do sentido,
Quero!...

tÓ mAnÉ

O meu quarto... a dez

Estas paredes que me sufocam
Vêem a liberdade que me cortam,
Estes mosaicos sarapintados
Olham-me como se estivessem embriagados,
Aquela vassoura ao canto,
Rindo-se do meu pranto,
Aquela pá inútil
Grita-me “a tua vida é fútil”,
Aquele balde de lixo, plástico,
Sempre sisudo e cabisbaixo,
Estas três lâmpadas
Lúgubres como campas,
Aquelas botas reluzentes de engraxadas
Cavam-me o espírito como enxadas,
Estas mobílias castanhas
Força do ódio que me rasga as entranhas,
Este ar pesado e pestilento
Enche-me os pulmões de um grito violento:
“Tirem-me daqui,
Morri mas não apodreci”.
Tragam-me de novo a vida,
Numa bandeja servida,
Mostrem-me o caminho,
Perdi-me! Estou sozinho,
Venham todos, tragam mosto e vinho,
Eu quero... quero estar convosco.

tÓ mAnÉ

Cambraia negra

Peça a peça, derramasse, 
Desliza, em impudicícia, roçando o corpo
Arrepiando a pele, macia e morna,
Explodindo em volúpia,
Já sem retorno; fusão de vontade incontida.
Ouve-se, em surdina,
Baque abafado no chão
Frio, de mármore, lazúli.
A máscara que veste
A pele doirada do sol
Que o mês de Setembro trouxe,
Revela-se!
Alfim, resta:
O colar de prata envelhecida
Do qual prende, dependurado ao pescoço,
Um medalhão;
Que, envelhecida corrente, sustenta
A diferença existente
Entre o amor e a sedução.
Os brincos, pendentes,
Como almas cansadas
Que almejam, reconfortante, chão.
E, os sapatos, pretos,
De salto alto e pontiagudo
Onde, alcantilada, a alma resiste
Observando longas fímbrias de cambraia negra
Que, prostradas, contemplam
Longas e esbeltas pernas
Negra nascente, sedosa, de deleite, impaciente
Fartos seios
Negros mamilos proeminentes.
Que desprovidos de pundonor, ansiosos,
Em orquestra, afinada,
Vibram em doce cadência
No silêncio, mudo, das vontades
Provindas de diapasão carente.
Ó negra fímbria, negra nascente,
Negros mamilos proeminentes
Que aguardam…
O prazer, insinuado, que tarda.

tÓ mAnÉ

Pára um pouco e... pensa...

É urgente...
Urgente que se faça
E que não se faça.
É urgente...
Urgente que se discuta
E que não se discuta.
É urgente...
Que se cale e se fale
Que não se cale nem se fale.
É urgente...
Que se oiça e se seja surdo
Que não se oiça nem se seja surdo.
É urgente...
Que se ame e se odeie
Que não se ame nem se odeie.
É urgente...
Que se trabalhe e se descanse
Que não se trabalhe nem se descanse.
É urgente...
Que se viva e se morra
Que não se viva nem se morra.
É urgente...
Que se pense
E que não se pense.
É urgente...
Parar, reflectir e concluir.
Só o tempo tem urgência,
Urgência em passar,
Tudo e resto pode esperar,
Não tem urgência.
Urgente! é sim, parar e pensar...
Pois,
Urgente, urgente é, se possível, não errar!...

tÓ mAnÉ

Trajecto de existência

Assim, neste vazio
Que eternizo, numa manta,
Cheia de palavras
Ditas, não escritas.
Faço soar o eterno sino
Que nas laudas
Chama à oração
Aqueles que no vazio
A alma deixam,
Por sorte do destino
Ou destreza da desgraça,
Descalços,
Percorrem o caminho de pedra fria
Cuja única luz é a vela que os alumia.
E, assim,
Nesta lúgubre procissão,
Do santo ao pecador,
Todos nela vão.
E eu, que em ti, um vazio deixo,
Vou na frente,
Firme a cada passo,
Pois sei, que de um valor vazio,
Não passo.
E assim vou marcando o passo,
Sincopado a compasso
Espaço a espaço,
Que da pessoa o vazio deixa,
No seu valor,
Que, como de bitola, o fosse,
Na vida e na morte,
Assim não o deixasse,
Patente e, em devassa, exposta,
A medida do seu trajecto;
Límpido ou abjecto...

tÓ mAnÉ