sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Altivez



Esse teu amor ao amor por ti que, mais não se resume, que a uma sacra mas parca esmola, dada sem convicção ou gosto mas por obrigação, imposição quase religiosa ou legal, como se de um indigente de mão estendida suplicasse piedosamente uma migalha, uma vitualha e, retirasses, sub-repticiamente, uma gratificação perfumada da bolsa que é tua, para imolares os pecados e, a nojo, com essa tua luva branca, pousasses na suja mão do mendicante. E, sorrateiramente, antes que alguma alma de Deus, do Diabo ou de outro purgatório semi-divino ou semi-infernal o detectasse, e de sus partisses, guardando, contudo, um olhar para trás, na vã ambição do reconhecimento, ou quiçá, de veres prostrada em seus olhos pedintes uma chispa de agradecimento brilhar.
Presunção essa tua! Apenas logras vislumbrar a catedral de lés a lés. Todavia, o mundo, esse que olhas como se de ti fosse ou pertencesse, como se o tivesses parido por inteiro; um filho teu e Deles, que não te pertence, nem nunca virá a pertencer-te, por falta de humildade, bonomia e prenhe de sobranceria o relegas à ablepsia de uma alma ínfima de atributos sensoriais.
Arrogas-te de toda a virtude, que nos outros, para ti, de vulgo pecado não passa, assim o fosse e serias a rainha de Sabá ou mesmo Cleópatra, que viveram da virtude dos seus pecados, expiados nas fontes do templo de Salomão e em leite de burra, respectivamente.
Ergue, altiva, uma razão obsoleta e desprovida dela, a razão, como se, dela, dona o fosses, avança, firme, segura e convicta pelo adro fronteiriço à catedral. Olha em frente, penetra nas ruas que para ti são vida palpitante, fruto de prazer e abundância de bens e certezas, sem que te lembres que, para outros, muitos outros e não apenas alguns, a amargura nelas contida nasce como inexoravelmente dia a dia de cada dia nasce.
E, passo a passo, troando nas calçadas o baque dos teus saltos, persuadida que o mundo só a ti pertence, vais pensando: Todos estão errados. E tu, sim tu! De salto alto, altaneira, Senhora de ti e do mundo, e que a ti chamas e clamas toda a virtude; a virtude das virtudes – a mais alva delas -, a cada passo que te troca o passo, pisa-te o rosto, tal e qual, tu pisas a teu bel-prazer as pedras deste xadrez chamado vida.

tÓ mAnÉ  Editions   

Estrelinha



Agosto.
A noite está quente, límpida
Solene na sua quietude
Mágica.
Leve, uma ténue brisa, sopra
Sopra-me segredos inefáveis
Pousando-me, na pele, exposta,
Beijos e desejos inconfessáveis
Arrepiando-me.
Agosto.
Na noite mágica de inconfessáveis segredos
Onde a quietude dos beijos da brisa, leve
Incute solenes desejos que arrepiam
Expondo a pele quente ao sabor dos sonhos.
Agosto.
Sentado contemplo o negro céu
Admirando suas incontáveis e ofuscantes amantes:   
As estrelas.
E, eis, que dentre elas uma,
Brilha mais, muito mais
Parece mesmo sorrir,
Sorrir brejeira para mim.
Agosto.
Estou preso!
Preso a uma estrelinha sorridente
Cintilante, esbelta e marota
Que parece por mim chamar.
Estendo a mão, aberta, ao céu
Tento alcançar o intangível
Enquanto, a brisa leve e morna
Segreda aos meus ouvidos
Da estrelinha os segredos.
Agosto.
Estrelinha
Cativaste-me!...
Imbuíste-te na alma que é minha 
Violaste-me a profundeza dos meus sonhos
Penetraste o corpo que é meu
Fazes-me vibrar pela noite dentro
Sonhando
Com a apoteose de um universo que é teu.
Agosto.
Libertas, no meu pescoço, um halo cálido
Sussurras, aos meus ouvidos, palavras meigas, doces
E, sedentos, teus olhos, negro ónix
Luzentes, acariciam o reflexo da sombra que sou eu.
Agosto.
O céu começa a acendrar
Dissimulando a tua luz, o teu sorriso malandro
A manhã fresca acorda-me dos sonhos
Estrelinha, estrelinha,…
Rebusco, descontroladamente, o mais profundo do céu
Que, desalmadamente, me recusa a tua luz.
Agosto.
Finalmente logro encontrar-te
Escondida
Num cantinho do meu coração
Tímida, nua da tua luz
Sorris a medo
Olho-te, por um instante, e retribuo
Ambos sossegamos finalmente.
Agosto.
Mora uma estrelinha no meu coração
Desconcertante.

tÓ mAnÉ   Style

Testamento

Quando eu morrer
Quero ser cremado
Quero que fechem a igreja ou na capela
Não quero velório
Não quero lá ninguém
Não quero missa solene nem qualquer outra cerimónia
Quero estar só comigo e com Deus
Não quero nem choros nem lamúrias
Quero, antes, arroubes de felicidade e fantasias
Afinal fui desta para a melhor.
Só, quero chorar e confessar os meus pecados a Deus
Pedir-lhe desculpa pelas minhas incertezas e ausências
Políticos, indesejáveis e todos aqueles que desprezo por execráveis
E, também, aqueles que abomino por natureza 
Expulsem-nos das minhas exéquias; jurem!
Aliás, não quero ninguém, no passeio de ida e volta ao forno crematório
Só irei como só voltarei
(no caixão irá o meu invólucro, no pote de cinzas virão as minhas cinzas)
(a minha alma, o meu ser, ficará a velar por vós, pois por mais não tenho quem)
Quero que espalhem as minhas cinzas pelos locais que irei referenciar
Quero que sejas tu Maria
Tu e os meus filhos
Assim te informo e assim o desejo.

E, tal como o poeta Mário de Sá Carneiro escreveu no seu poema intitulado “Fim”
A um morto nada se recusa

Depois quero que espalhem as minhas cinzas por quatro locais; No mar, junto à ponta do molho de bombordo, na Ilha de Tavira, por causa da pesca e por causa dos tempos felizes que lá passei; nas serranias dos Revezes, local de preferência das minhas caçadas; e no rio Mondego, junto à ponte velha, local onde, quando em desespero e só, chorava lágrimas que caíam ao rio... e me lavavam a alma; no Sítio do Vale da Telha em Aljezur; junto ao local onde irão jazer as cinzas do meu pai e da minha mãe, pois lá eles foram felizes e eu com eles também.
Nada de mim deixem nesta terra pois, excluindo-os a vós, ela nada me deu.

tÓ mAnÉ   Style&Editions


terça-feira, 27 de agosto de 2013

Crónicas FDS da Laura – Registo VII



Ó sábado, sábado querido sábado, dia do não à escolinha, dia da liberdade, não da libertinagem, é bem diferente apesar de soar parecido, dia 22 de Julho; como se de dois patinhos (22) apaixonados nadassem lado a lado de asa dada, se tratasse - olhem só para eles tão juntinhos, tão amorosos, que atenção não vem de amora, o que borrava tudo, mas sim de amor, o que torna tudo maravilhosamente “glicodoce”.
Estou em apuros, acho que estou meio esquecida, tal não foi a emoção e o rebuliço.
- Paiiiii…, paiiiiizinhooooo…, vem cá para junto da tua filha querida que tanto está a precisar de ti.
- Vou já filha. Com essa vozinha melosa deves ter feito ou estás para fazer alguma patifaria. Bem, diz-me lá o que se passa.
- Ó paizinho, preciso da tua ajuda. Não só para escreveres as minhas Crónicas FDS, como também para me ajudares a recordar de algumas coisas, pormenores, que se me varreram completamente da memória. Está bem? Pode ser? Pode ser agora?...
- Okey filha “deslembrada”! Vamo-nos a elas! Olha, posso inventar um bocadinho?...
- Não pai! Nem pensar! Ia perder todos os meus créditos de narradora fidedigna, bem como, de estilete incisivo e interventivo no quadro do comentário e do relato. Ora vamos lá. Levantas um fiapo de véu de memória que eu depois trato de reavivar a minha. Certo?
- Certíssimo! Vamo-nos a elas ferinha.
Olha filha! No sábado de manhã demos um saltinho à praia de Vale do Lobo dos Pobres…
- Espera, espera já estou a entrar na cena… aquela que ainda não é Vale do Lobo nem deixa de o ser… que fica situada entre as falésias de saibro de Loulé Velho e as de Vale do Lobo Velho, aquelas que se estão a derramar pela praia e têm a casa a cair e o resto… e que é um sarilho infernal para estacionar o carro; foi um milagre papá, a sorte bafejou-te. Logo aquele senhor aselha foi sair. Estavas mesmo com o cuzinho virado para a lua, e que depois tem aquela arriba perigosa para descer, que cheira mal e é perigosa. Sim! Já me estou a recordar de algo mais….
Recordo-me que te levantaste meio cedo, rabugento, porque te deitaste tarde. Por falar nisso, onde foste tu para chegar aquelas horas? Às lupas não? Só pode, não é?...
Não me levem a mal o palavreado, e perdão pelo juízo de valor, pois eu que sou uma menina pequenina e não digo palavras feias, socorri-me de certos artifícios provenientes do latim, a língua mater, que por ser uma língua à muito considerada morta, não pode, nem deve, ofender ninguém. Como também achei que seria deselegante, que a uma menina da minha idade usasse nominativos qualificativos de outra ordem ou qualidade. Enfim pressupostos de assunção ou presunção, a não ter em conta por falta de prova, inserta a este processo literário.
Bem como que conta é o que fica escrito e descrito e que foi uma chegada à praia a uma hora semi-decente, e que assentámos o “pangaio” todinho e sem restrição de espaço como acontece na praia “da” Quarteira; como dizem aqueles que vivem acima do das serras do Caldeirão e do Espinhaço de Cão que, para todos os efeitos, já não são “mouros” mas sim “bimbos”, onde desagua caçador, cão e lebre. Porém reservo esta história para um período posterior, vai ficar para depois ou até talvez para as calendas.  
Revoltando ao passado ou será melhor tornando a voltar, que achais?...
Montado o acampamento e havendo espaço livre à nossa volta, claro está que não me fiz rogada e uma loucura momentânea apossou-se de mim. Nem imaginam como é boa a sensação de espaço livre na praia; a areia, o mar, o ar e um “pequeno riacho” consequência de uma não menos “pequena laguna” a menos de 100.00 metros de nós ou, será melhor eu não me sujeitar a eufemismos e dizer o seguinte: A bacia de retenção dos efluentes da E.T.A.R. (Estação de Tratamento de Águas Residuais) de Vale do Lobo e o seu lançamento “controlado” por gravidade, quando a água da bacia de retenção atinge cota suficiente para o efeito, para o mar, essa fonte altamente depuradora, onde eu estive a tomar banho, a brincar e a engolir de vez em quando um pirolito e também, talvez, consequência de uma praia livre e quiçá do odor que detectámos ao descer da arriba ou ainda a razão pela qual não foi atribuída a bandeira azul à praia de Vale do Lobo. Deixo aqui estes considerandos que ouvi da boca do meu pai e a nota que: A água tudo lava excepto a má-língua, e eu não quero passar por alcoviteira nem quadrilheira.
Depois de uma “banhoca” refrescante – a água estava excelente – encetámos uma passeata pela beira de água. Primeiro no sentido da praia rica de Vale do Lobo, não entendi porque rica, será porque tem meia dúzia de semi-cubatas de colmo, e um montão de pedras a proteger as pessoas da arriba ou por causa dos passadiços de madeira de acesso à mesma? Esqueçam que eu também não me quero lembrar. Depois voltámos e seguimos no sentido contrário e, aí, tivemos que ultrapassar o “pequeno riacho”, ainda pretendi molhar os pés e dar duas de brincadeira; as margens em barreira de areia convidavam a um “escorreganço”, mas o meu pai, criterioso, não deixou, ponto parágrafo. Volta na volta e chegámos ao posto de acolhimento e abastecimento e voltámos a dar mais um banhito e toalha com a cambada, estava na hora da secagem do bacalhau.
Fazendo preguiça ao sol, assim meio cá meio lá da consciência ou da inconsciência, e o estúpido do telefone do meu pai acordou para a vida e sobressaltou o nosso estado de entorpecimento.
Meio por meio o meu pai semi-embrutecido buscava de onde vinha tal vilão do “trim-trim” gritava que queria atenção. Encontrado o meliante, aconchegado ao ouvido após premir a tecla verde, o meu pai ruge: Sim, quem fala?... silêncio deste lado da linha… seguido de um: Okey! Vamos lá ter, acrescentado de um: Onde é que isso fica?... silêncio outra vez… e um: Então até já, que pôs términos à conversa, bem como à manhã de praia.   
- Quem era perguntou a minha mãe.
- O Tony respondeu o meu pai. Acrescendo ordem de retirada pois íamos almoçar uma sardinhada a casa de uns amigos.
- Mas não íamos almoçar à da tua mãe, retrucou, por sua vez, a mamã.
- Temos que cancelar o almoço. Fomos convidados para uma sardinhada na casa do Carlos Mendes e da Sandra. Olha Maria! Liga para a minha mãe a cancelar o almoço e diz-lhe que vamos jantar.
- Mas a esta hora? A tua mãe vai ficar contente.
- Paciência!
E, assim, terminou o diálogo e começou e o “arrumanço” das trapalhadas de praia, bem como, o inverso do percurso; a volta. Chegados ao carro e trouxa arrumada, a minha surgiu-lhe mais uma pergunta.  
- É tardíssimo. Ainda temos que ir a casa tomar banho de água doce. A que horas iremos chegar, nem sabes bem onde fica a casa? E, mais, não sei se têm sopa para a miúda. Achas uma boa ideia deixar o pessoal pendurado à nossa espera?
- Vamos directos daqui para lá e paramos algures para comprar uma sopa para a Laura e está feito.  
- Mas estamos cheios de sal, não me sinto bem assim. Tenho que me passar por água doce. E a criança?
- O Carlos tem piscina e deve ter, por princípio, duche para pré-lavagem, passamo-nos lá por água e roupa seca também tens que mais queres? Tens sempre a opção de tomarmos um duche na cascata da rotunda à entrada de Vale de Lobo.
Riu-se, furiosamente, estava bem disposto e acrescentou: Estamos a falar de uma sardinhada e não de um baile de gala. Vá “bora” nessa.
Assunto resolvido. Malta embarcada. Cintos apertados. E foi seguir viagem.
Sem muita confusão decidimos ou decidiram, estou a incluir-me porque estava lá e, acho, que também devo fazer parte das decisões sejam elas quais forem, mais quando elas a mim dizem respeito, ir buscar a sopa ao restaurante “ Retiro do Camponês” em Vale-Judeu, pois ficava de caminho. Apesar do meu pai como se veio a verificar não saber bem o caminho, mas disso já falaremos. Quero deixar aqui patente um agradecimento muito sentido em nosso nome, pela simpatia, amabilidade, carinho com que fomos recebidos e aos esforços envidados no processo de acondicionamento da sopa, como também pela isenção de cobrança, à Sra. de que agora não me consigo recordar do nome - a mulher do Sr. João e mãe do João - bem como ao Sr. João e ao João. O nosso bem hajam e já agora, porque não, a sopinha de legumes estava excelente. Parabéns!...
E, a saga começa aqui. Dava um filme: “Os perdidos no Sítio da Pedra de Água” ou mais ou menos por aí.
Não é que andássemos longe, porque não! Sabem quando temos algo que procuramos mesmo por baixo do nariz ou de outra forma se fosse um cão mordia-nos? Pois foi isso mesmo. Estava sempre a faltar o quase. Vejam bem que até fomos escorraçados por indecente e má figura da casa de um inglês estúpido, mais estúpido que uma carroça sem mula, não querendo generalizar mas os ingleses são todos estúpidos e snobs, digo eu porque nunca conheci doutros. Sempre pode haver uma excepção ou duas, vou deixar aqui o benefício da dúvida, pois diz o Zé Pagode que a excepção é que confirma a regra.
Benditos telemóveis! Não fossem eles ainda agora estávamos procurando a casa. E olhem que, em salmoura, sem água e com o calor que fazia estávamos feitos em três bacalhaus, estiraçados no banco do carro, aguardando batatas, grãos, couve-flor, o ensalsado e os indispensáveis alhos e azeite, porque cozidos e desidratados já nós estávamos.  
Alfim, chegámos! Os últimos mas… chegámos sãos e salvos, desta aventura no Sítio da Pedra de Água.
O Carlos já estava na dolorosa tarefa de assar as sardinhas e os carapaus, também havia carapaus para os paladares mais requintados e os biquinhos mais esquisitos.
Olhem, quer queiram quer não foi chegar e aviar. Nem a mãe se lembrou mais de banhos de água doce ou outras mariquices do género e ainda bem.
A casa do Carlos e da Sandra e das suas duas filhotas, elas são lindas mas mais velhas do que eu, é um espectáculo. Fantástica em todos os seus contornos; de bom gosto, funcional, bem decorada e muito acolhedora. E a piscina?... Uáuuuu, perdem-se-me as palavras para a descrever, para além de ter umas vistas de extasiar. Fiquei deveras impressionada mas pela positiva das positivas, ainda iremos falar disso. Agora reportemo-nos ao almoço.
O almoço… humm… para além da sopa de legumes ainda comi um carapau e uma sobremesa absolutamente genial.
Os amigos do meu pai, esses, comeram sardinhas e carapaus grelhados, acompanhados com uma salada de tomate e regados em abundância com um vinho branco de excelente aparência e, pelos vistos, melhor sabor; choviam garrafas logo não poderia ser qualquer zurrapa. As senhoras, essas, mais delicadas e discretas, fizeram o seu papel com menos estrídulo, mas não deixaram passar em branco a sua parte ou o seu bocado, principalmente nas sobremesas, onde as mulheres, nem sei porque falam sempre das mulheres, cumprem um papel capital, muitas vezes não comem para capitalizar na sobremesa.
A conversa foi sempre abundante e acesa e, os temas, dos mais variados: Do isto ao aquilo passando por aqueloutro, falaram de tudo, fartaram-se de dar à “estramela”,  o que tornou assaz interessante o convívio no entorno da mesa; acho que o branquinho ajudou um pouco a desenferrujar o “linguete”.
Na maioria das vezes não entendi patavina, mas eu não passo de um “berganhoto” insolente e metediço, que quero aprender tudo ao mesmo tempo e meto o nariz onde não devo e depois quem paga a despesa são as orelhas. A minha curiosidade não tem limites, raia o infinito dos infinitos mais infinitos, percebem, ou precisa um desenho?... Bem me parecia que não!…
A seguir ao almoço andámos e, quando digo andámos, significa que foram todos aqueles que pertenciam “à malta do meu tempo” ou como dizem os velhos “os moços do meu tempo” a explorar o espaço, dando-lhe utilizações de que os adultos nunca se iriam lembrar a dar-lhes, mas que estavam na cara que eram as mais adequadas e que melhor cumpriam os propósitos da sua criação. Contudo, só crianças evoluídas como nós se apercebem destes pequenos detalhes, destes pormenores.
O tempo é amigo das crianças. Passa rápido. E com ele chegou a autorização para a utilização da piscina. Uáuuuu… (não me poupei, acreditem!...) mas que piscina maravilhosa e que maravilhosas e simpáticas que são as filhas do Carlos e da Sandra, umas meninas mais que baris: supimpas! Simplesmente, adorei-as!...
Vou aqui preservar o nome delas, as meninas, pois tenho que respeitar o estatuído pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, para evitar entrar pelos mesmos atropelos à liberdade e à privacidade de cada um, como certas instituições o fazem em prol, dizem eles, do bem comum. Erguendo a falsa bandeira da “segurança e da protecção de cidadãos e bens em locais públicos e privados” alegando, e jogando mão aos artifícios, da instabilidade e da criminalidade crescente que alastra, alegadamente, pelo nosso país e que, tal como a crise, entrou em espiral só que desta vez não é descendente ou recessiva mas sim ascendente ou progressiva.            
O Carlos tem uma espécie de aprisco, redil ou talvez uma capoeira ao ar livre onde tem galinhas, galinhas de Angola ou fracas. Eu e bicharada somos unha e carne. Ah! E, também, tem um cão chamado Boris como o cão do meu pai… ai, ai que o raio do português é traiçoeiro que se farta, temos que ter um cuidado redobrado, queria eu dizer que o meu pai também tem um cão chamado Boris. Atenção! Não façam confusão, okey?...
Registada que está a imprecisão de semântica passo, passe a expressão, a relatar a minha visita à cave onde o papá mais os amigos “machos” estavam a jogar um jogo que eu ouvi chamar de snooker; jogo muito estranho e grande. Constituído por uma mesa com vários buracos, coberta com uma toalha vermelha, com várias bolas de variegadas cores vestidas – umas em traje de gala e outras de pijama e uma apenas e uma só, trajando um smoking branco e que parecia o mestre de cerimónias – e paus com a cabecinha pintada de azul, que de quando em vez os jogadores esfregavam, docemente, num cubinho revestido de papel, com motivos policromáticos, em todos os lados excepto num, aquele onde eles esfregavam, onde existia um buraquinho em forma de concha e de um azul sulfato de cobre, antes de arremeterem contra o mestre de cerimónias que, seguramente, irritado embatia, umas vezes bruto outras mais meigamente, nos seus súbdito coloridos que por sua vez se guerreavam entre si e, de vez em quando, um deles, “acagufado” por certo, escondia-se no buraquinho da mesa, e ao mesmo tempo iam refrescando as gargantas, cansadas de tanto martelarem no verbo que deu a inspiração a Camões, em néctares para mim desconhecidos, todavia com um dourado aliciante. Para dizer a verdade não achei grande piada àquele do snooker, até porque não fui autorizada a experimentar, nem o jogo, nem as bebidas. Pafeeeee…

Subi as escadas e fui ter com os meus amigos que conviviam alegremente no amplo salão. Juntei-me a eles na devassa geral do espaço e na arrumação do mesmo à nossa maneira e não “à minha maneira” como aquela música marada dos Xutos&Pontapés, só pode com um símbolo destes, não é?...
As mamãs, estavam menos vigilantes do que é normal e mais descontraídas, aparentemente. Menos exaltadas do que eles os “machos”. Falavam, comentavam e diziam de sua justiça, de uma forma meiga e terna, como só elas, as “fêmeas”, têm de dizer e fazer; a água lava tudo excepto a má-língua, tenho por aí ouvido dizer… apesar de não compreender bem o alcance da menção.   
Calmamente a tarde foi-se deitando ou tentando deitar em cima da noite, insinuante, porém o crepúsculo, impondo-se, vigorosamente, disse que a corte a ele lhe pertencia, pelo que melhor seria a noite aguardar pela sua vez…
Face a esta tomada de posição do crepúsculo e, tomando consciência do avançado da hora, os comparsas, acharam que o que é demais não presta e tudo tem uma conta, aquela conta. Assim, e sem mais delongas entraram em debandada geral, tal e qual como um bando de estorninhos, assim que o primeiro levanta voo os outros seguem-lhe o exemplo.
Despedida em despedida. Aperto de mão em aperto de mão. Beijinho em beijinho. Partida em partida. Restaram, alfim, apenas restaram os anfitriões.         
Nós, como é bom de ver, rumámos a Vale da Rosa e o jantar na casa da avó Aurita, ficou adiado para o almoço do dia que se segue o domingo.        
No domingo de manhã, apesar de não nos termos levantado muito cedo, demos um saltinho até à praia mais próxima; Quarteira, mais precisamente à denominada Praia dos Pescadores, localizada na zona poente do molhe de bombordo – vermelho e branco - do Porto de Pescas, a praia de todos os labregos, assim lhe chamam os empertigados de Vilamoura: Esqueçam-nos!... Depois de estacionarmos, não literalmente, o guarda-sol na praia e despejarmos, não como se despeja lixo ou outros produtos indesejáveis ou até mesmos desejáveis, todos os instrumentos auxiliares à manobra de ir e estar na praia, o que é uma canseira e exige uma mão-de-obra especializada e demorada, mas que acabou por ficar “comme il faut”, dirigimo-nos os três, tal e qual um trio, estão a ver? Para a beira-mar, onde se encontrava escavada uma piscina em termos latos e/ou uma poça em termos estritos, cheia de água, diz a boa vontade mas não a razão, escavada por alguém, todavia abandonada, a qual resolvi tomar de assalto e à má fila e, onde logo encetei um sem número de acrobacias aquáticas, sem tão pouco pensar que o anterior dono ou mesmo o escavador de serviço possa ter lá aliviado, abundantemente a bexiga antes de compulsivamente ou por nojo ter levantado ferro e zarpado por a maré lhe ser favorável a ele ou a outro quem, o que depende das conveniências de outrem e que, aqui e agora, não estou em posição nem em condição de avalizar, por falta de prova do móbil do crime, isto se o houve, é bem certo.
Da piscina/poça ao mar os caminhos, todos eles mais ou menos inclinados ou oblíquos, eram rectos e a distância curta, um ai meio suspirado. Obstáculos nem vê-los, para quê se era gente que tinham olhos para ver e pernas para se desviarem… e, de turbo ligado, zum lá fui eu zunindo. Ó mar, ó mar como eu gosto de ti quer manso, quer agitado, quer ainda bravo pouco importa com o meu pai por perto, muito perto, e as minhas braçadeiras cor-de-rosa, ele é meu, todo meu, muito meu.
A água, do mar claro, estava quentinha – está quase sempre, para mim – todavia um tudo ou nada agitada e muito suja ou melhor tinha algas a dar por um sarilho. O que para mim não passa de adereço o importante afinal está lá: O mar!...                 
E, como o mar estava agitado, como já tive a oportunidade de vos informar, eu e o meu pai resolvemos ensaiar uma nova dança aquática que denominamos de: salto de doble, que consta de saltar quando vêm as ondas e rodopiar no intervalo entre elas. Adorei e diverti-me montes só em risota eu gastei uma “descomunabilidade” de decibéis.
E, o que é bom dura bem pouco, e como o pouco é relativo no conceito, neste caso entre o meu e o dos meus pais, tive que sujeitar-me à lei do mais forte e arrumar a trouxa. Era hora de almoço. Era hora de rumar a Loulé a casa da avó Aurita. E, era hora de ir comer o almoço que já tinha sido almoço, que passou a ser jantar e que final mente ia ser almoço novamente e efectivamente, por fim ou finalmente; Salsichas embrulhadas em couve lombarda feitas no forno, não vou ensinar a receita.
O almoço é uma refeição. Serve para reparar e retemperar forças e conviver. Pode ser requintado ou a trouxe-mouxe, pode ainda ser pesado ou leve. Só, em família, com amigos ou em grupo diferenciado ou indiferenciado. Pode ser uma caterva de coisas mas a essência é sempre a mesma: comer e beber.
E, assim, sem requintes se comeu e bebeu em família na casa da avó Aurita.
Terminado o repasto houve que tratar da logística pós repasto que coube essencialmente à mãe, à avó e qualquer coisita sobrou para o pai, sobra sempre. Eu excluo-me por não ter tido grande préstimo e por me ter dedicado em exclusive à tarefa árdua, pois a televisão da avó é bem mais pequena que a nossa, de ver os bonecos. Tarefa que durou a tarde quase toda, pois a minha mãe foi às compras ao minipreço, o meu pai enrolou-se com o sofá ou no sofá, não se percebia bem quem era o quê, a descansar os olhos, enquanto a avó andou às voltas com os tarecos, até que acabou, derreada e desancada, a fazer-me companhia no sofá, a ver os bonecos, claro!...
O regresso a nossa casa era e foi coisa inevitável, aí não houve margem para dúvidas ou enganos. As tarefas de obrigação também foram inextrincavelmente cumpridas.
Novidade, novidade traduziu-se na ajuda, de má vontade, óbvio, que o pai deu à mãe na confecção de um bolo na Bimbi, duas coisas de que o pai não é amante, nem pouco mais ou menos. Ora digam lá que isto não é novidade e digno de registo?...
Redundâncias atrás de redundâncias seriam as notações daqui em diante, assim guardo-os ou poupo-vos a essa maçadoria. 
Ah! Acho que esta vai ser a minha última crónica. Afinal para o ano já vou para a escola dos grandes, pois também já o sou; Grande! Daí vou deixar esta escolinha dos pequeninos, como muitos de vocês também o farão. Espero que não nos perca-mos por este mundo “imérrimo” que é Loulé, a vila que quis ser cidade e que até o conseguiu, porém nunca perdendo o espírito tacanho e mesquinho de um aglomerado fechado em torno da sua eterna vaidade, presunção e de avareza até de vistas, míope e enviusada. Torpe no trato dos seus filhos e generosa para com os seus “enteados” ou como por cá se conta: Loulé é má mãe mas boa madrasta, e se o povo o diz é porque é verdade; povo que é povo não mente! Não tem necessidade disso…
Vou dormir que já chega de má-língua.                
Beijinhos e, até mais escrever ou ver.
A terrível de língua.
Laura Solange.

 tÓ mAnÉ   (in Laura Solange dixit) - 2012.07.(22,23)

Apoteose



Explode e paira em ti um mundo de música uma orquestra magistral, onde o som da "caracola" substitui a tuba nesse teu sussurro quente e acolhedor. Vibram em ti as cordas, que de tensas soltam longos e ternos gemidos, gritando por liberdade. As madeiras sopram, exóticas, o halo fremente do desconcerto afinado dos humores que em ti se geram. As teclas percorrem-te o corpo de lés a lés fazendo dele um campo fértil de acordes sutis mas plenos de sensações. Os instrumentos de sopro aliviam a pressão que imprimem todos os outros que do “piano” já passaram para o "allegro moderato", tornando suportável manter a orquestra unida, em conserto mas já no limiar do desconcerto. Com a entrada violenta e retumbante das percussões subleva-se em ti um estado de alma frenético, tudo é música, tudo vibra, tudo é fremente, tudo é apoteose e, quando por fim ribomba o surdo e estalam os grandes pratos, em "tutta la orquesta". Aí desfaleces para o estado "piano" em que as trompas, a harpa e o xilofone tocam baixinho, quase em surdina; relaxado teu espírito divaga, longe, muito longe, num distante perto. Só existes em ti e, o teu mundo, não passa de um paradigma fleumático disperso por vários universos.

tÓ mAnÉ  Editions

Brincando ao gato e ao rato



Olá! Senti indelevelmente a tua presença... entraste de mansinho, com peuguinha de lã, mas... hummm… foste apanhada... a tua sorte é que não desarrumaste nada, se mexeste não notei, apenas ficou uma pequena varredela, o que agradeço, pois não sou muito de limpezas…
Daí, resolvi passar em tua casa, abrir a porta devagarinho e espreitar, o que encontrei arrumado não mexi, tal como o que estava desarrumado, não troquei coisas de lugar (ia ser giro tu procurando as meias na respectiva gaveta e eu, ter colocado as ditas na gaveta dos talheres, ias-te passar!...), bem como não varri nada e por cortesia e apenas por, deixo aqui esta pequena nota.
Gostei da tua casa, achei-a acolhedora e solarenga... e gostei, pronto!...
Gostas do Principezinho?... por ser, desde sempre, o meu livro preferido "... se queres ser minha amiga tens que me cativar e tu ainda não me cativaste ... diz o Raposo à Princesa... ... o que é cativar?... pergunta a Princesa ao Raposo..." ou afinal não seremos nós eternamente crianças, crianças mais velhas mas crianças e não estaremos sempre a ver uma cobra que comeu um elefante em vez de um chapéu ou outra bestialidade qualquer...
Vais-me dizer que afinal na história as personagens são uma raposa e um príncipe... conclui!... Nihil sine causa.
Retribuindo a cortesia e na esperança que tenha sido bem-vindo... carpe diem

tÓ mAnÉ   Editions  (Al Andaluz)