E porque hoje é sábado e porque sabe Deus ou o Sátiro porquê, todos acordámos cedo, coisa rara e quase nunca vista no feitiozinho do meu pai que nestas coisas, do levantar só mesmo por levantar, é mais bera que a ferrugem. Todavia, e porque hoje é sábado o meu pai deu-me a alegria de acordar e levantar-se cedo, o que nem sempre são sinónimo, o acordar e o levantar nem sempre coincidem na pessoa do meu pai, pois existe uma fase intermédia que por vezes dura que dura, é a fase da “preguicite aguda” de colchão.
E, talvez por
hoje ser sábado, o sábado foi diferente do usual, do costumeiro. Todos sem
excepção se despacharam depressa, não houveram torpores matinais ou outros
pruridos, sem agitações, bulícios ou reclamações de última hora ou
despropositadas. De facto foi um ai enquanto não estávamos e estávamos a
transpor o portão, as guardas do sacro santo lar, e nos encaminhámos a tout la vitesse para a Parvónia City.
Chegados à Parvónia City, não se cumpriu a profecia
de costume, o meu papá rumou para o desconhecido, para outro local que não
useiro. Calculem que fomos beber o café à Pasteleria-Padaria Reis do Pão,
inédito não acham? Desculpem, não ouvi bem… Não, não esse junto ao Marufo’s Bar
que a agora se chama de Xavier Bar, é aquele que fica na praceta atrás da
Escola EB1 Horta de Santo António, próximo do supermercado Modelo.
Esclarecidos?... Continuando para bingo. Para além dos cafés o meu pai ainda
comprou, sim porque o café também se compra, o pão e uns bolinhos apetitosos de
torresmos, coisa que eu não sei bem o que é mas que tem um aspecto gorduroso e
comem-se – o malvado, de vez em quando, esquece-se do colesterol.
Da Pasteleria-Padaria
fomos para um gabinete de estética Valentina Hairstlylis, mesmo ali ao lado, a minha mãe queria lavar, cortar e
pentear a trunfa. Trabalho que se revelou árduo e demorado; espera a vez, lava,
corta e não corta, seca, penteia e dá-lhe o jeito e forma adequada ao gosto da
criteriosa da mamã, foi um rabo que deu água pela barba para esfolar (o que
levou menos tempo foi o acto de pagar). O meu pai, claro, entregou as moças e
rapou-se a mil à hora para a pastelaria, dizendo: Vou ler um bocadinho. E
pernas para que vos quero.
A
cabeleireira ou melhor o gabinete de estética era todo
XPTO (abreviação da palavra grega XPISTOS – Cristo), hoje utilizada em
português em contexto irónico, por "sofisticado" ou "de
qualidade", frequentemente reforçada com o adjectivo "todo"),
isto segundo as divagações do meu pai que gosta de coisas intrincadas. O Gabinete de Estética era
todo um “ai não me toques” e, claro está ou como é bom de ver, não me contive
sem dar um pouco do meu cunho pessoal a tão raffinée
e requintado estabelecimento, quer ao nível do espaço como no que concerne ao
padrão de comportamento: Estive no meu melhor! Podem crer.
Levado
pela curiosidade ou pela impertinência da espera ou ainda pelas gajinhas
jeitosas que lá estavam; o meu pai cheira gajas a quilómetros, o meu pai
regressou e, aí, foi a bagunça total. Brincámos ao “lobo mau” (que é sempre o
papel encarnado pelo pai eu sou a eterna fugitiva), ele tem um aspecto feroz
mas, não tanto como um par de pernas, longas, torneadas e esguias, enfiadas
numas meias de vidro pretas, que lá estavam, sentadas no final delas, que quando
nos olhavam do alto da sua sobranceria, mais que ocasionalmente, e com um ar
reprovador, assim como que chispando um pensamento: Tal pai tal filha. Gajas!...
ao esconde-esconde e ao apanha que é ladrão (quase atropelei as pernas
estilizadas e por um triz não abri um foguete nas meias; bem-feita! Estavam
mesmo a merece-lo.)
Face
ao panorama de mau estar generalizado, aos trejeitos da minha mãe e ao incómodo
revelado pelas faces rubicundas das gajinhas, o meu pai viu-se na contingência,
antes que fosse convidado a sair por indecente e má figura ou, neste caso em
particular, mau comportamento, de agarrar em mim, Laura Solange, no seu orgulho
machucado e no lencinho de chupar e bater em retirada com o pelotão rumo à Pastelaria
- Padaria.
Ir à
Pastelaria-Padaria só com o meu pai é sempre uma incógnita, uma mini aventura,
não tão mini como a saia das pernas, que mais parecia um máxi cinto, mas mini;
uma “aventurinha”, formato bebé. O homem, desculpa paizinho! Sabe sempre o que
eu gosto, o que quero ou me apetece. Desta vez escolheu uma bebida fresquinha
que eu nunca tinha visto, como se isso fosse possível, eu com quatro anos não
conhecia aquela bebida. Vinha muito bem acomodada dentro de um saquinho de
papel prata, colorido, que trás agarrada a ele, dentro de um celofane, uma
palhinha comprida e fininha, cor de laranja, para facilitar o consumo do refrigerante
e, chama-se: Capri-Sonne, e apresenta um leque de sabores variado, que me foi
dado a escolher. Escolhi o sabor: Safari Fruits. Uáuuuuu estava deliciosa!
O meu
pai optou por um sumo Compal sabor Manga Laranja e um bolo, uma torta como lhe
chamou, com um recheio tipo… qualquer coisa, rsrsrsrsrs… eu nem quis provar.
Todavia bebi-lhe o sumo quase todo. Pudera, após tanta arruaça, estava sedenta,
diria mesmo quase liofilizada.
Inclusos
na liberdade da praceta e abertos de corpo e de espírito ao arrabalde,
encetámos uma brincadeira de correrias tontas, num abaixo e num acima, que
deixou o meu pai extenuado ou cansou-se depressa desta brincadeira, pondo-lhe
um ponto final parágrafo, e rumámos ao gabinete de estética onde a mãe tinha ficado órfã de nós.
As
pernas ainda lá permaneciam, altivas, agora sentadas com o seu final na cadeira
das penteaduras. Desta vez o meu pai recomendou-me compostura e não estava a
brincar, via-se e ouvia-se muito bem. Assim, e sem mais permeios, tive que
sossegar a “cartaxinha”. De qualquer modo, a mãe, estava quase despachada, mais
duas tesouradas, uma “secadela” e umas escovadelas… et voilá… comme il faut!
Paga
que foi a “multa” o caminho do mercado estava no azimute; ir a um gabinete de estética é caro, bolas!
No
mercado, está no nome e na cara, fazem-se compras mas não só: Regateiam-se
preços, pavoneiam-se corpos e trajes, ouvem-se as quadrilheiras, visita-se e
tiram-se fotografias e fazem-se filmagens, ou apenas se deambula imbuídos na
policromia e na cacofonia deslumbrante do espaço; usufrui-se do ambiente
fervilhante que nos rodeia. Contudo, fazer compras é o objecto primevo e,
assim, começaram, aos poucos, a emprenhar a balsa os produtos criteriosamente
seleccionados, como: pão caseiro, tomates cor-de-rosa, cebolas novas, cenouras,
carne, peixe, caracóis, pêssegos (de mais que nove e a balsa quase que paria,
prenhe em demasia de tanta coisa que trazia…).
Quem
muito bebe muito… adivinhem, sim, isso mesmo, foi essa a relação causa efeito.
-
Papá, papá a Laura tem xixi. Depressa, depressa que estou aflitinha. Ai, ai,
ai,…
- Vá
anda daí antes que haja desgraça.
- Eu
aguento papá, eu aguento.
Agarrando-me
pela mão, o meu pai, levou-me em direcção não das sentinas públicas mas sim ao
Snack Bar Cais de Loulé, uma vez que segundo ele, os
sanitários públicos do mercado estão que nem cão pode lá ir; as pessoas, quero
dizer certas pessoas que não o são, só pode, não passam de umas selvagens, umas
porcas, umas… sei lá, nem me lembro de um qualitativo apropriado para as classificar.
Bolas, nem percebem que estes e outros equipamentos públicos também são para
elas. E fiquemos por aqui, pois muito mais teria a dizer.
Tarde
é a palavra apropriada para definir o fim destas operações especiais, muito
tarde. Pudera com tanta manobra de diversão o ataque final: O almoço, começar.
Face às contingências vimo-nos na obrigação de irmos almoçar fora, almoçar em
casa estava fora de questão, nada estava feito.
Bem
dito melhor feito. Eis-nos sentados à da “Preta” designação, não pejorativa ou
jocosa nem tão pouco de conteúdo xenófobo, pela qual vulgarmente é conhecida a
churrasqueira Angolana. Não! Não é que a proprietária seja negra ou preta, pois
ela é mais galão ou melhor, como mulher, assenta-lhe melhor meia-de-leite como
designação da tez, mas sim porque as paredes do estabelecimento ostentam duas
telas de meio corpo de negras tribais de fartos seios e mamilos proeminentes,
expostos à luz do dia, ou melhor falando, sem “pára-quedas”.
O
almoço foi agradável e bem servido. Comi uma sopa de caldo verde e ajudei os
meus pais nas espetadas de salmão e gambas, na salada não toquei mas as
batatinhas fritas foram objecto da minha gula. Hummmmm delícia!
Como
me portei que nem uma valente no final da refeição tive direito a gelado “O
fantasma da Angolana”, ditos do meu pai enquanto ambos bebiam o incontornável
café.
Finalizado
o repasto, foi pagar (reclamando a inclusão do couvert na conta – o meu pai é um reclamador de profissão) e bute,
que se faz mais que tarde, para casa, pois as compras no carro estavam ao sol e
podiam estragar-se, o que não convinha nada.
A minha mãe, que
anda sem vagar nenhum, pois aquela da tese de mestrado não tem meio de ver terra,
tal e qual a Nau Catrineta, nem ajudou a descarregar e a arrumar as compras.
Enfiou-se, qual coelho em toca, no escritório; agora casou com o computador,
diz o pai, que, amavelmente foi brincar comigo às casinhas; queria-me calada e
satisfeita, é o que é!..., numa casinha/tenda que pertenceu em tempos à minha
prima Sofia e que, há algum tempo, atravessou serra e barrocal e pousou em
minha casa, logo passou a minha pertença. Brincámos a dormir, a acordar, aos
almoços (apesar de termos acabado de almoçar; foi o reforço) e até às
escondidas e às espias (eu era a 008). A diversão durou até ao anúncio solene
do meu pai: Já me doem as costas filha, temos que pensar noutra coisa, de facto
o espaço era exíguo e o meu pai é assim para o grandote mas magrinho.
Terminada a
brincadeira. Arrumado o estojo. Fui sentar-me no sofá, que o papá, às vezes,
pomposamente chama de maple com o meu
lencinho de chupar e vá de bonecada, entretenha que me manteve ocupada uma boa
parte da tarde.
Ao cair da tarde,
aiiiiii… (este foi o som que a tarde fez ao cair, ouviram?... eheheheheh…) fui
convidada pelo paizinho para uma jornada de apanha de chícharos. Porém declinei
o convite, aquilo era o mato desgraçado! E, acontece que já tinha uma
alternativa na manga, logo eu para me perder (ponto sem nó não faz o meu
feitio). Aproveitei o largar do choco, não por muito tempo não fossem os ovos
gorar, da minha mãe para ir com ela encher os garrafões nos bidões para depois
ir dar água às gansas, aos patos, às galinhas e, finalmente, aos pintos. Apre
tanta bicharada! Estou desconfiada, olhando nos olhos da mãe, que anda ali um
franganote a pedir batatas…
Este é um
trabalho difícil e pesado, pois não só se têm que encher os garrafões (5 litros) como se têm que transportar dois a
dois até ao galinheiro que dista pelo menos uns bons cinquenta metros dos
bidões. E, olhem que foram mais de vinte garrafões, ufa!...
Cansada de tanta
água e aproveitando o ensejo da chegada da avó Ilda, imaginem a reclamar que
necessitava de água – água outra vez Deus meu – para fazer os farelos para a
bicharada, pois segundo ela: Quando chega aquela horinha e eles não comem, até
vão a parvos, nunca vi igual, “espavilhei-me” atrás dela no fito de a ajudar.
Tenho que aprender, quero saber de tudo.
Operações adidas
à bichara resolvidas e eis que chega o meu pai, ou melhor um monte ondulante,
verde, e ambulante de vegetação, com um molho descomunal de rama de chícharos à
cabeça, que o cobria de baixo acima, parecia uma santola carregada de algas.
Calculem que arrancou as plantas dos chícharos pela raiz, mas não se assustem
pois eu fiquei a saber que é mesmo assim que se faz. Primeiro arrancam-se as
plantas e só depois é que se “desbugam” ou descascam as vagens.
Rolando aqui,
saltando ali, chegou a hora de debandar ou da revoada do monte da avó Ilda, das
tias Vitalina e Maria que agora não se quer levantar da cama, isto é que vai
aqui uma açorda, tal como diz o compadre Cassildo na televisão.
A ida à casa da
avó terminou com uma corrida, à laia da séria mas na brincadeira, até ao nosso
feudo. Ganhei, claro! Os cotas já não têm pedalada para mim.
Casa, tarde, cães
são uma sequência lógica de acontecimentos cronológicos, quero eu dizer que
ainda tive tempo para ajudar o meu pai a tratar da canzoada. No canil fiz uma
birra indecente, uma verdadeira vergonha. Na verdade o papá zangou-se comigo
porque eu fiquei de personalidade forte e não obedeci, nem acatei a ordem de:
Está aqui sentada e quieta, oh pá, a inquietude está-me arreigada aos ossos,
está-me no sangue, não fosse eu filha do meu pai.
Passado o arrufo
e depois da minha mãe “galinha” aparecer para se certificar ou inteirar dos
acontecimentos que causaram semelhante desacate, lá fui ao colo dela para casa
e logo de seguida para a barrela; estava imunda, diga-se, depois de tantas e
diversas actividades.
O meu pai, logo
que chegou de tratar os cães, parecia que trazia uma bichinina ou um foguete
agarrado ao fundo das costas, entrou em casa logo anunciando à cabeça, para que
não se suscitassem dúvidas de qualquer ordem ou razão: tenho que me despachar,
pois quero ir ao cinema e não quero chegar atrasado.
Qual é o filme?
Perguntou-lhe a minha mãe de sus.
The Great Gatsby. Acrescentando ainda: Com o Leonardo DiCaprio. Baseado
e adaptado de um livro de 1925 de F. Scott Fitzgerald’s com o mesmo título.
Quando for grande
quero ser como o meu pai: Ir todas as semanas ao cinema. Esta foi a primeira
emoção que se me cravou no íntimo, tal como um cravo se crava no casco de uma
cavalgadura, apesar de não ter muito a ver foi o que se me grudou no
pensamento.
Foi como fumo.
Assim falou, assim se despachou e assim se esfumou, com falta de ar ou por um
ar que lhe deu. Malamente veio dar um beijinho nas mulheres cá de casa. Arre
que o homem estava como um sarilho de diabinhos dançando zumba dentro de uma
fogueira.
E, nós mulheres?
Perguntam vocês e bem. Pois, nós mulheres em casa, compulsivamente em casa. Oh justiça onde
andas?...
Jantámos, em
casa! Sentámo-nos no sofá, em casa! Vimos televisão, em casa! Enquanto, ele, o
meliante, se sovava no cinema. Que inveja!
Quando terminou a
série Huntik e os seus titãs lendários, fomos para a cama, em casa! E, assim,
em casa ficámos até que o Sr. se dignasse a chegar. A nossa vingança foi dormir
a sono solto. Bem-feita!
Olhem meninos, por
hoje é tudo, pois isto já é um fartote daqueles e amanhã, se Deus assim o
quiser, também é dia. Boa noite e um sono aconchegadinho. Até amanhã simpáticos!...
Voltei!
Fresquinha da Silva, após uma noite “fantabulástica” de sono. Bom diaaaaa mundo!...
e um “espantástico” domingo!... Eu sou assim pródiga no desejar.
E, para começar
bem o dia nada melhor que um “agarranço” ao ecrã mágico e aos meus queridos
bonecos. Desligueiiiii para o mundo…
O meu pai acordou
bem disposto, deve ter sido do cinema. E, antes até de tomar o pequeno-almoço, para
dar graxa ao cágado, foi tirar um Nespresso Arpeggio para a mamã tomar, e,
vejam só, inédito, antes de se evaporar para Loulé para tomar café (gosta de
sair para ir tomar a bica), para onde seguiu acompanhado pela sua nova amante:
A Imperfeição do Amor, por quem anda agora perdido de amores literários.
Não pensem que
foi assim sem mais nem menos. Na mochila da consciência levava os deveres a
cumprir; eu ouvi as incumbências de que ficou acometido pela minha mãe. E, por
falar da minha mãe e de amantes, logo que bebeu o café e estipulou as tarefas a
realizar pelo meu pai, foi direitinha para o computador. Aiiiii… e eu… coitada
de mim. Solta!… ihihihihih…
O tempo é um
impostor! Passa de fininho e quando damos por ele já é tarde. Foi num ápice que
caiu na hora do caldeirão ou na hora da “lambeta” como diz a avó Ilda.
O meu manjar
passou por uma carne moída embrulhada com ovo, assim uma espécie de ovoleta (não faço ideia porque lhe
hão-de chamar omeleta, não faz sentido, não é feita com OMO mas sim ovos e não
lava mais branco fica antes amarelada) mas mais simplificada, acompanhada por
uma soberba salada de tomate cor-de-rosa e a bendita da sopa, pois claro!...
Ao chegar da
“vila” o meu pai não lhe cabia uma pena no “foufeiro” de tão satisfeito que
vinha, é que vinha mesmo, mesmo “satisfeitinho”. Sabem porquê? A princípio
também não me apercebi do porquê mas depois logo vislumbrei a tramóia, deixem
que vos conte: Ele comprou, no Continente, uma melancia enorme, XXL, fora de época
e uma planta de jardim, muito exótica, que tinha cachos de flores púrpuras,
muito aveludadas, em forma de crista de galo, isto com o escopo de oferecer à
mamã, não deve andar a pintar boa. Tudo isto cheira a esturro.
Com o papá e as
compras, da “vila”, ainda veio a avó Aurita, à hora da refeição o diabo traz
sempre mais um, isto dizia o povo quando a fome grassava pelo mundo e como
virá, se já não o não faz agora, a grassar, tal vão os tempos - maltinha
preparem as enxadas, pois vão fazer mais falta do que vocês possam imaginar.
Adoro a Avó
Aurita e, como tal, fui até junto do carro para recebe-la com pompa e
circunstância ou seja efusivamente aos abraços e beijinhos.
Dizia-me, fazia
já algum tempinho, a minha barriguinha que eram mais que horas de almoçar e,
como o almoço estava prontinho a cair na mesa, “zás-catrapaz”, também nós
caímos na mesa e desatámos a dar ao serrote: Quiche tipo “Lorraine” e salada dos celebérrimos tomates cor-de-rosa com
rebentos frescos de soja, destes gostei mas da quiche “benhaque-benhaque” foi
prová-la e cuspi-la. Odiei-a! O famoso queijo da Ilha, com que foi concebida, é
horrível! Que me perdoem os azorianos ou açorianos, dependendo do nome que
chamam à rapace que cognominou as ilhas; azor ou açor. Sabem gosto sempre de provar,
temos que ter um espírito aberto, porém nem sempre acho delicioso por vezes
também acho execrável. É a vida!...
Durante o almoço,
mas não almoçou – desta vez o Diabo enganou-se ou enganaram-no. Só mesmo a avó
Ilda para enganar o Diabo – apareceu, como por milagre, a supradita avó Ilda e
com ela iniciou-se um processo de tagarelada que continuou, inexoravelmente,
após o almoço; Os grandes, os adultos adoram dar ao “linguete”, assim o diz a
avó Ilda e, assim, finalmente descobri a quem saio: A eles.
Longo ia o tempo do
almoço já finado quando o meu pai levantou o fim das pernas da cadeira e
abandonou a mesa dizendo: Vou trocar de roupa para ir cortar o mato que bordeja
o caminho. Acrescentando ainda: Está indecente e, mal se consegue passar sem arranhar
o carro todo. Dito isto deu corda aos sapatos e lá se predispôs à ingente
tarefa.
Desta vez não
tive apetites de ir com o meu pai. Sorte a minha. Não fora o fastio teria
chegado como ele: Todo suado e afogueado, “chiça” safei-me desta e de boa!
Ainda bem que fiquei em casa a brincar com a avó Aurita e dando cabo da
caganita à minha mãe.
Chegou e
embarcou, nem parou para descansar.
Maria! Gritou e
gritando ainda: Vou tratar dos cães! Mais parecia um matusalém de galochas e
chapéu de abas largas. Farta de mulheres e de casa, agora também quis ir. Corri
para ele a gritar: Papá, papá também quero ir.
E, assim, lá
fomos nós cantando e rindo, não como no Hino da Mocidade Portuguesa, mas de alegria
e felicidade mesmo - pulando e cantando - em direcção ao canil.
Agora é que a
porca troce o rabo. Porquê perguntam vocês e bem! Ai porquê… ai, ai, ai,… Então
não é que enquanto tratávamos dos cães me assaltou ou assolou a ideia louca,
não fora ela nem faria menção a esta tarefa vezeira e useira e mais que recalcada
nestes relatos de FDS, de desatar a beber água da vasilha da Kika, a nossa
cadelinha, fazendo da minha mãozinha uma espécie de cocharro.
Oh meu Deus!
Quando o meu pai viu, ai, ai, ai,… zangou-se mas, coisa estranha, estava a
zangar-se e a rir ao mesmo tempo, situação que me deixou muito confusa,
perplexa mesmo, pois não é nada do seu feitio este comportamento, ele quando se
zanga, zanga-se.
Quando parou este
desplante, esta risota indecente da minha pessoa e na minha cara, olhou para
mim com aquele olhar doce e disse-me: Olha filha, são defesas que ganhas, que o
mal não seja pior, e voltou a rir-se, para depois reactivar de novo a conversa:
O que vale, filha, é que o pai acabou mesmo agora de lavar a “penica” e de
enche-la com aguinha limpa.
E, assim, de mãos
dadas, rindo de nós próprios e do episódio caricato de que fomos os únicos os
protagonistas, regressámos a casa, cumprida que estava a nossa missão.
Em casa. Na cozinha, estavam
as minhas avós. A avó Ilda estava ocupada a cozinhar os caracóis; elas não
podem cozinhar juntas, fazem faísca e dá sempre molho, percebem? E a avó Aurita
comentava com ela a relação das mulheres modernas com a cozinha, os tachos, as
panelas, as frigideiras e afins. Ao que avó Ilda, muito despachada e enxuta,
retrucou: Elas querem é dar uma na pita e outra na fita, claro, respondeu a avó
Aurita, dizendo: Uma na caixa outra na racha. Fiquei sem perceber e, mesmo que
quisesse, foram-me cortadas as vazas pela minha mãe: Filha está na hora do
banho, vamos lá.
O banho hoje foi
especial. Tive direito a secção fotográfica e a uma filmagem em padrão de mini
metragem. Nada de escandaloso, atenção! Oh mentes pecaminosas!...
Apesar da
realização artística o banho decorreu à velocidade da luz de relâmpago; todos
estavam ansiosos e desejosos de afinfar nos caracóis. Até a avó Aurita ficou
para alegrar o pitéu e participar no jantar, o que não é muito usual, pois quer
ir sempre para casa cedinho.
O jantar:
- Caracóis com
pão torrado com manteiga;
- Sopa de
lentilhas à moda da avó Ilda;
- Lasanha à moda
da minha mãe;
- Fruta da época
e bolo mármore com nozes.
Sabem, quando
cheguei do banho, vi a avó Aurita a arranjar carapaus para alimar e, logo fui
fazendo juízos de valor: Caracóis e carapaus alimados não pegam nada, mas…,
porém não tinha visto a minha mãe fazer a lasanha, andava entretida com o meu
pai lá para a banda dos cães. Afinal, e na a verdade os factos revelaram-se
outros: Os carapaus iriam ser o almoço de amanhã do pai, da mãe e da avó Aurita
e, os carapaus alimados salgam-se na
antevéspera ou na ante antevéspera, conforme o gosto do freguês, cozem-se e
temperam-se na véspera e comem-se nos dias seguintes.
Aiiiii… já estou
cansada e farta de tanto contar as coisas para o meu pai as escrever e, acho,
que ele também já lhe vai faltando a paciência, pois já não está de boa cara,
nem sei como ele aguenta tanta tagarelice.
- Está quase
papá, digo-lhe com um sorriso encorajador.
Abreviando:
Depois de jantar o meu paizinho foi levar a avó Aurita a Loulé, a casa dela.
Quando ele chegou, trouxe com ele, a hora da minha “estoriazinha” e, com ela
chegou, inexoravelmente, o óozinho.
Boa noite
“rabalões” e “rabalonas”.
tÓ mAnÉ (in
Laura Solange dixit) - 2013.05.(18,19)