sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A utilidade do inútil


Todos vós devem estar a pensar que utilidade é que terá um inútil, será que a terão mesmo?...
Como é do conhecimento geral e quase estatuído por lei todos os espaços dos habitáveis aos comerciais, aos industriais, aos serviços e outros afins tem um elemento comum: O bibelô. Estes elementos são inutilidades úteis, enchem espaços nos quais ninguém repararia ou dificilmente o faria, ou seja estas inutilidades servem para ocupar lugares de pouca ou muita relevância, conforme os casos, para garantir a esses “espaços vazios” uma vida que não teriam ou mesmo até, pressupostamente, embeleza-los, isto é, os inúteis apesar de aparentemente não terem qualquer utilidade, valorizam outras inutilidades concedendo-lhes créditos que não têm e, erguendo por elas, mundos ilusórios de infinita utilidade. Em suma fazem o favor de fazer o que não se faria e se faz; advertida ou inadvertidamente?!... 

tÓ mAné  Editions

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Crónicas FDS da Laura – Registo VIII


Olá! Não é que voltei… Sim, voltei ao Centro Autárquico; finalmente criaram uma salinha dos “grandes”, moços e moças assim como eu, e finalmente houve vaga para mim ou a minha pessoa na sala dos grandes, depois de um longo e penoso e tortuoso périplo pela Casa da 1ª Infância, de que não gostei muito por múltiplas razões sendo a falta de atenção a principal – eu necessito de muita atenção - e depois pelo Jardim de Infância do Serradinho, onde detestei a comida e me senti muito só, pois os meninos eram todos mais velhos que eu e porque não tinha aquela atenção, outra vez a atenção, que eu mereço. Voltei e estou muito contente por ter regressado. Adoro a minha escolinha “velha”! Aqui tenho toda a atenção do mundo, adoro a comidinha e acima de tudo gosto muito de todos, da Telma, da Lena, da Paula, dos meus colegas e amigos. Alfim de todos, sem excepção!
Adivinharam! Sim, sou eu a Laura Solange. Voltei e com o meu regresso, regressaram as minhas aventuras de FDS.
Hum…, deixa-me pensar como hei-de começar, será que ao fim deste tempo todo de ausência já lhe perdi o jeito. Primeiro vou ter que falar com o meu pai para ver se ele está disposto a escrever as baboseiras que lhe digo. Lembrem-se que ainda não sei escrever mas, falar isso é outra coisa diferente; a língua não se me atrapalha… Acordei com o meu pai contrato por mais uma época – estas coisas funcionam mais ou menos como os jogadores e treinadores de futebol.
Sábado, o “Grande Sábado”. Acordei bem cedinho e muito bem disposta. Bebi o meu leitinho com muito chocolate, é como eu gosto, e a primeira secção do dia, como todos os dias, foi o Madagáscar, assistida em camarote de honra, primeira fila, escarrapachada na cama dos meus pais rodeada de almofadas. Normalmente estas secções são extremamente intermitentes entre as minhas miradelas fortuitas ao filme e o meu estrebuchar pela casa toda.
Enquanto os meus progenitores se desmultiplicavam numa azáfama sem fim de afazeres que culminam na saída de casa para uma ida ao mercado onde reabastecem as diversas divisões e aparelhos de bens essenciais para a sobrevivência da longa semana que vai dando entrada de mansinho, eu deambulo e saltito pela casa fora numa afã de arrumação nunca vista; à minha maneira claro!...    
Com a chegada da avó Ilda e da tia Vitalina, que hoje, excepcionalmente, vão ficar de quarto de sentinela a minha ínclita pessoa, e com os avisos avisados de juizinho Laura, vê como te comportas, sê boa menina, recomendados pelos meus papás e com o tradicional: Voltamos já e queremos saber como tu te portaste e etc e tal, amaciei um pouco o meu impulso de arrumação, sentei-me e encantei-me num príncipe qualquer de uma série qualquer dos meus bonecos da televisão, do Canal Panda, até ao regresso dos meus papás ao sacro santo lar. Normalmente, também faço parte integrante deste processo recolector de produtos domésticos, dá jeito pois atrapalho e atraso bastante o processo, percebem?... Sei que sim, por isso nem vou explicar o porquê.
Quando o pai e a mãe retornaram a casa, o almoço já cá cantava, candeia que vai à frente alumia sempre duas vezes, diz sabiamente o povo. Os marotos apanharam-se sem mim ou livres de mim e chegaram tarde, tarde é favor, chegaram tardíssimo. O que será que andaram a fazer aquelas alminhas, hum… Boa não deve ter sido!...
Sentada no sofá, descansando do muito que cabriolei, com a avó passada comigo, via calmamente o meu querido Canal Panda e eis que eles dão um arzinho da sua graça. Apre, que já não era sem tempo. Todos eles eram risinhos, mansinhos, ternurentos, felizes e contentes, pelo que, para ser solidária, e só por isso, também alterei o meu estado de espírito de contemplativo para radiante e, entre beijinhos e abracinhos lá foi fluindo o mais que início de uma tarde.             
A avó rejubilou de satisfação e, para seu gládio, logo deu às de Vila Diogo, assim que viu o meu pai a rodopiar no meio dos ingredientes para a confecção do almoço; não fosse sobrar para ela…
Almoçaram! Ou melhor almoçámos, aproveitei para fazer um almoço tipo lanche ou um reforço do almoço, como lhe queiram chamar. Era o que mais faltava era comerem sozinhos e para além disso gosto sempre de opinar sobre as coisas que o meu pai inventa; ele safa-se!... leva-lhe o jeitinho…
Apesar de em minha casa haver sempre muita coisa para fazer, para brincar, para para… ainda assim apeteceu-me ir visitar a minha avozinha Ilda. Apeteceu-me ir ver as galinhas, os patos - principalmente a minha patinha branca – os gansos e acima de tudo os cãezinhos bebés, os cachorrinhos.
Adoro, também, ir esticar a perna e ver as flores silvestres, aprender os seus nomes, sentir-lhes o aroma e a textura. Colher uma de vez em quando para oferecer à minha mãe ou às minhas avós e até ao meu pai; para ele não ficar ciumento.     
Entre correrias, gritarias, gargalhadas e brincadeiras o tempo foi escorrendo e com ele o primeiro, e verdadeiro, dia de sol desta primavera mas não só também a hora dos meus pais irem ao supermercado abastecerem-se de uma miríade de produtos para nós e para as avozinhas.
Desta vez não escapei nem resisti à avalanche e upiiiii… lá fomos nós…
Tal como não resisti à avalanche também não resisti aos abanões do automóvel e zummmmm… Apaguei!...
Acreditem foi assim sem mais nem ontem, tal e qual um “vipe” ou uma picada de uma mosca tzé-tzé. Fiz uma directinha até ao jantar, aliás até depois do jantar ou melhor até ao meu jantar, pois o papá e a mamã já tinham cumprido essa tarefa.
Limitei-me ou limitaram-me, face ao adiantado da hora, a uma sopinha. Ainda me deram a benesse de ver uns bonequitos para não ir para a cama de pança semi-cheia, dádiva que não se alongou muito no tempo e, passo seguinte: Cama, onde a mãe me leu uma historiazinha que eu ouvi em silencio, com muita atenção e agarradinha ao meu lencinho de chuchar. Volta meia e meia volta e voltou o apagão.
Dormi quem nem um anjinho. E, quando acordei, logo dei os bons dias ao domingo e aos papás queridos misturados com beijinhos.
Pois… no domingo, para variar, levantei-me um pouquito mais tarde do que é normal, o meu normal é mesmo o sábado; cedinho, por volta das 09:30 horas e adivinhem qual foi a primeiríssima coisa que eu disse, adivinhem, adivinhem…
Pois é, não adivinharam! Mas eu como sou boazinha vou dizer-vos: Pai tira-me a fralda que está cheia, só depois vieram os supraditos bons dias e beijinhos, a que se seguiu a exigência do meu leitinho com muito “xócólate” e os bonecos da Dora “Exploradora” que como DVD que é só passa na televisão do quarto onde se encontra o respectivo leitor. E, desta forma plena de classe, acabei com o sonho do meu pai de dormir mais um sono, ou ficando a fazer preguiças na sozinho na cama; paradigma de domingo. Paciência! Eu estou primeiro.
Depois de cuidar as minhas necessidades primárias; fralda, leite com chocolate e bonecos, o meu pai foi tratar da sua higiene diária, vestiu a roupa dos cães e tomou o pequeno-almoço. Tudo isto ocorreu no espaço de tempo em que eu via a Dora. Por outro lado a minha mãe andava a passarinhar por casa às voltas e reviravoltas das múltiplas incumbências domésticas que só se fazem mesmo ao domingo de manhã, senão… esqueçam lá isso.
Antes de sair, a passear com a matilha, o meu pai veio dar-me um beijinho de até já, tem esse hábito, e zus catrapus lá vai ele, com o chapéu verde azeitona de abas largas, a vara de zambujo e a canzoada, trespassando pelo portão e deixando-nos para trás. Parece, naquela figura rocambolesca, o Matusalém.  
Enquanto o meu pai dava largas às pernas e se deliciava a passear os bobies pelos campos a fora eu e a minha mãe ficámos sós em casa.
Chatice hem!... Eu que gostava tanto de ter ido, também.
Todavia, num ápice esqueci e, nada se perdeu, tudo se transformou em brincadeira, tropelia, asneira, etc… Há coisas que eu não quero aqui referir; o pudor não deixa. Coisas só minhas.
Em jogada de antecipação, a minha mãe, antes que o meu pai chegasse, começou os preparativos que antecedem a saída de casa para algo especial; o banho, o vestir, o pentear, o pôr umas “sprayzadas” de água-de-colónia ou perfume, sei lá… e com os: Porta-te bem filha, está quieta amor, temos que nos despachar princesa, etc…
Chegadas aqui, curiosa, pergunto (pois já me ia cheirando a algo diferenciado do dia-a-dia dos dias de fim-de-semana): Onde vamos mãe? Ao que ela respondeu: Almoçar a casa da avó Aurita e depois vamos assistir à procissão da Nossa Senhora da Piedade ou Mãe Soberana padroeira de Loulé.
Para ser franca do almoço eu percebi mas daquela da procissão nem pesquei um caboz… coisas de grandes, logo, para não me atrasar, pensei.
E, enquanto, nesta cega-rega, eis que o meu pai e a canzoada chegam. Vem todo suado. Chamando um, gritando por outro, assobiando aqueloutro e entre “eiôs” lá foi acomodando a bicharada na casinha deles; o canil, excepto, claro, o Syd “o guardião” e o Goya “o galã”. Para além dos cães e do bordão o meu pai trouxe um molho de plantas esverdeadas que emanavam um cheirinho divinal; o meu pai deu-mas a cheirar. Hummmmm… o que são pai? Como se chamam?
- Chamam-se poejos filha. E, são uma erva aromática que vive dentro de água, nos ribeiros e zonas alagadas. Olha! O pai vai pô-los dentro de água para depois os plantarmos no nosso quintal.
- E servem para quê pai?
- Olha filha! Podemos, com eles, fazer chá, licor, pôr na comida e até ou mesmo saquinhos, misturados com outras ervas aromáticas, para pôr no interior das gavetas e roupeiros para dar um bom cheirinho. 
Fiquei muito contente pois aprendi mais uma coisa nova e experimentei novas sensações. Ai mas que belo cheirinho têm os poejos.
Finalizada que foi a conversa o meu pai, assim como de cronómetro em punho, pois já vinha mais que atrasado, arrancou para o banho e as consequentes tarefas pós banho; ele é rápido nestas manobras.
Após pessoal banhado, vestido e cheiroso rumámos a casa da avó Aurita onde, já em desespero de causa, esperavam para dar ao “serrote ou ao corta palha” a prima Sofia, a tia Rosário e a avó, está claro!
O almoço foi borrego no forno, estava uma especialidade, adorei!... Podes fazer mais avozinha, eheheheheh…
Papado o borrego e cada um para seu lado todos ficámos a “giboiar” em casa da avó, aguardando a bendita da procissão passar.
Quando chegou a hora, a avó Aurita, veio avisar toda a gente ou nós mesmos e fomos todos, para parecermos muitos, para as janelas, onde a avó tinha pendurado duas colchas ou colgaduras, uma vermelha e outra dourada, engalanando as varandas em honra da Santa.  
Vi tudo e compreendi porque se chama procissão aquela vaga, aquela mole humana andante à frente e atrás do andor, é porque vão todos atrás uns dos outros ao mesmo ritmo ou quase, formando um fluxo contínuo e ondulante. Afinal, era uma festa grande: A festa grande da Mãe Soberana, como referiu a avó.
Depois de passar o andor com a Santinha e os outros todos que eram mais que muitos, só restaram, as pétalas das flores que as pessoas atiravam às mãos cheias (eu ajudei) e aqui e ali algum transeunte, assim como que perdido, iniciámos os preparativos de saída. Íamos ver passar a festa a outro local.               
O dia estava solarengo, por isso decidimos fazer o percurso a pé, excepto o meu pai que teve que levar a avó no carro, ela, coitadinha, está velhinha e custa muito a andar, pois tem osso que lhe magoa da planta do pé, é como se andasse com uma pedrinha dentro do sapato.
O ponto de reunião escolhido, como sucede todos os anos, foi o bar do Jaime (Bar Marroquia), na Rua Nossa Senhora da Piedade, onde a minha avó já tem reservado tacitamente um lugar para ver passar o andor e acompanhantes e, também, de onde o meu pai entra na multidão em movimento, logo atrás ao andor, para acompanhar a Santa à sua casa no alto do cerro. O meu pai e os outros dizem que vão subir a ladeira para ajudar os homens do andor a levar a Nossa Senhora a casa, ao Santuário. E, assim, lá vai ele de braço dado com o indígena do lado, no meio de vivas à Santa e aos homens do andor, só regressando quando regressam as Bandas Filarmónicas que precedem os homens do andor. Entre vivas, saltos, danças e correrias lá chega ele todo suado e afogueado.
Para o ano, que já sou grande, também quero ir.
Aí, depois do merecido (???...) descanso, chegou a hora dos caracóis, do pão torrado e das imperiais, para mim e para a avó água fresquinha, e começa a parte que eu mais gosto. Adoro caracóis!...
Este ano, juntaram-se a nós uns amigos dos papás: O Emiliano, a Fátima e a Joana, a filha mais nova. A Joana tem a minha idade. Foi amor à primeira vista, isto é, gostámos muito uma da outra, somos compatíveis, nem houve necessidade de vergonhas ou quebra-gelo, simpatizámos à primeira. Fartámo-nos de brincar, foi tão fixe.
Dos caracóis à pizza, ou seja do Bar do Jaime à Pizzaria do Renato “Loulé Pizza”, foi um saltinho, tal como foi um saltinho do lanche ao jantar. A pizzaria estava apinhada, mal nos podíamos mexer; só debaixo da mesa, e uma danada de uma algazarra pairava no espaço, enchendo toda a casa de um barulho ensurdecedor. Todavia, festa é festa… e neste ambiente festivo e ruidoso, devorámos o pão de alho e as pizzas e mais que fosse…
Finado que foi o jantar; contas pagas é claro, tive que dizer adeus à Joana e à brincadeira, o que não foi muito do meu agrado, diga-se.
Seguidamente o meu pai foi buscar o carro onde todos nós nos enfiámos, rumando a casa mas, todos, a avó, a prima, a tia… hummmmm estranho mas… Fiquei-me sem perguntas. Mas estranho mesmo foi o meu pai parar o carro a meio caminho de casa e depois manobrá-lo para que ficasse voltado para a vila – Loulé é uma vila só que, não sei porque carga de água, insistem em lhe querer chamar de cidade, palavras do meu pai.      
Apesar de mortinha de sono e desconcertada com tão aberrante e incomum paragem ainda me ia animando com a prima Sofia em brincadeiras de espaço exíguo. Estávamos nós neste jogo de gato e rato quando oiço um descomunal “pum” seguido de vários outros “puns” de menor intensidade, porém mais frequentes no tempo e um mundo de luzes coloridas no céu. Assustei-me, claro! Não fazia ideia do que estava a acontecer, até parecia que o tecto do mundo ia desabar em cima das nossas cabeças ou melhor do tejadilho do carro. Fiquei cheiinha de medo e comecei a dizer, repetidamente, ao meu pai: Avança, avança,…
Eu estava com medo e ninguém entendia. Todos me falavam em fogo-de-artifício e apontavam para o céu, dizendo: Olha. Como se eu estivesse cega. Acontece que eu não queria nem ver nem ouvir nem tão pouco saber. Eu queria mesmo era ir para o conforto e segurança da minha casa.
Fiquei impermeável a palavras e explicações, os meus ouvidos ficaram surdos ao que quer que fosse que não aos estrondos no céu e os meus olhos cegos que não para as luzes que enchiam a noite de clarões e o meu coração de pavor. Conclusão: O chinfrim só terminou quando o carro iniciou o movimento que tanto tudo em mim ansiava e gritava: O avança, ou seja quando o carro começou a avançar na direcção a Loulé.                      
E, no meio de choradeira e gritaria; nada me consolava, o meu pai avançou.
Primeiro na direcção de Loulé, onde parámos em frente da casa da avó e descarregámos esta, a prima e a tia. Depois regressámos para a nossa santa casinha. Aí eu já ia mais contentinha, o achaque já me tinha passado e tudo estava de pouco a pouco a retomar a normalidade. Apre não gosto de fogo-de-artifício!
Já em casa foi envergar o pijaminha e vale de lençóis…
E, voilá, terminou o meu fim-de-semana quase, quase a iniciar-se a semana, eram precisamente 23:58 horas quando assentei arraiais na almofada.

 tÓ mAnÉ   (in Laura Solange dixit) - 2013.04.(13,14)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Recomeço


Arrasto.
Cansado arrasto
Este meu corpo dorido
Este meu karma entretecido
Que pesam
Como manta, negra, de feltro e lã,
Urdida.
Demolhada, encharcada na dor
Que verga o corpo e vexa o fado.
Levanto-me e deito-me
E, a puta, da manta, não me deixa
Como se fosse uma “mantiderme
Atormenta-me as noites
Transformando o seu peso em pesadelos
Acorda-me para um novo dia
Tal e qual o anterior e o ante anterior
Despertando-os para o mal-estar
Para o suplicio.
Ainda assim, arrastando-me
A cada manhã, ergo-me, para mais um dia
Abro para um mundo, desumano
(não que ele assim o mereça)
Um sorriso,
Uma farsa de bem-estar
Assim, a mim o devo
Assim, a mim o exijo.
Quando o sol já desce em ocaso
A noite a preparar começo
Pois talvez amanhã
Não haja acordar
Não haja recomeço.

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Já alguma vez…


Já alguma vez rezas-te?...
Rezaste a Deus com fervor?...
Ou, será, que fizeste tentativas?...
Vãs, oportunistas, desesperadas, insanas
Convenientes, talvez?...
Onde andava, egoísta, a tua vontade?...
Dispersa! Sempre dispersa…
Divagando! Sempre divagando…
Le vol de l'oiseau.
Já alguma vez rogas-te?...
Rogaste a Deus com amor?...
Ou, ignorante, impretaste mundialidades?...
Irreflectidas, inconsequentes, obtusas
Abjectas, talvez?...
Onde vogava, ensandecido, o teu saber?...
No comezinho mundinho teu?
Na luta que divorcia o Homem de Deus?
Quem és?
Quem somos?
Ímpios? Laicos? Ateus?...
Grito por ouvir a Palavra de Deus
(seja Ele quem seja, não importa: Deus é Deus)
Grito!
Grito por mim e pelos meus
Grito por ti e por todos
Grito por Deus.

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Vinte cêntimos


Aguarda expectante
Na bicicleta sentado
Que termine a conversa
Entre deus e o diabo.
Impaciente do vício
Estende a mão mendicante
Suplicando por uma moeda
Dois pares de olhos viram-se!
Acutilantes observam
Um mais duro e soberbo
Dá as costas na resposta
Outro mais contrito
Deita a mão canhota ao bolso
Retira seis moedas
Dentre elas, uma escolhe  
Vinte cêntimos.
É para o vinho logo pensa
Esta alma caridosa
Mas… vinte cêntimos para a droga?...
Vinte cêntimos são tão pouco
Não chega nem para o pó nem para a nódoa
Não dá risco, não dá gole
Na narina, no pelo, presa não fica
Na camisa não se nota
Tão pouco para, inconsciente, de borco cair.
Avaro, ruge o cérebro, altaneiro
E, a mão, independente, volta ao bolso
Nela brilha mais um níquel
E, na face do pedinte, um sorriso escaninho
É um euro ou cem cêntimos
Que tilintam junto aos vinte
Já compõe o ramalhete.
Agradece e, pausadamente, retirasse
Buscando mais uma alma caridosa
Pedalando com o seu pé coxo.
Seguindo o titubeante trajecto
Logo o piedoso pensa:
Ora aqui… ora ali… o pecúlio vai crescendo.
Vinte cêntimos…
Até para a água é pouco.   
Compadecido sorri e sorrindo faz o seu caminho.

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