Olá! Não é que voltei… Sim, voltei ao Centro Autárquico; finalmente criaram uma salinha dos “grandes”, moços e moças assim como eu, e finalmente houve vaga para mim ou a minha pessoa na sala dos grandes, depois de um longo e penoso e tortuoso périplo pela Casa da 1ª Infância, de que não gostei muito por múltiplas razões sendo a falta de atenção a principal – eu necessito de muita atenção - e depois pelo Jardim de Infância do Serradinho, onde detestei a comida e me senti muito só, pois os meninos eram todos mais velhos que eu e porque não tinha aquela atenção, outra vez a atenção, que eu mereço. Voltei e estou muito contente por ter regressado. Adoro a minha escolinha “velha”! Aqui tenho toda a atenção do mundo, adoro a comidinha e acima de tudo gosto muito de todos, da Telma, da Lena, da Paula, dos meus colegas e amigos. Alfim de todos, sem excepção!
Adivinharam! Sim,
sou eu a Laura Solange. Voltei e com o meu regresso, regressaram as minhas
aventuras de FDS.
Hum…, deixa-me
pensar como hei-de começar, será que ao fim deste tempo todo de ausência já lhe
perdi o jeito. Primeiro vou ter que falar com o meu pai para ver se ele está
disposto a escrever as baboseiras que lhe digo. Lembrem-se que ainda não sei
escrever mas, falar isso é outra coisa diferente; a língua não se me atrapalha…
Acordei com o meu pai contrato por mais uma época – estas coisas funcionam mais
ou menos como os jogadores e treinadores de futebol.
Sábado, o “Grande
Sábado”. Acordei bem cedinho e muito bem disposta. Bebi o meu leitinho com
muito chocolate, é como eu gosto, e a primeira secção do dia, como todos os
dias, foi o Madagáscar, assistida em camarote de honra, primeira fila,
escarrapachada na cama dos meus pais rodeada de almofadas. Normalmente estas
secções são extremamente intermitentes entre as minhas miradelas fortuitas ao
filme e o meu estrebuchar pela casa toda.
Enquanto os meus
progenitores se desmultiplicavam numa azáfama sem fim de afazeres que culminam
na saída de casa para uma ida ao mercado onde reabastecem as diversas divisões
e aparelhos de bens essenciais para a sobrevivência da longa semana que vai
dando entrada de mansinho, eu deambulo e saltito pela casa fora numa afã de
arrumação nunca vista; à minha maneira claro!...
Com a chegada da
avó Ilda e da tia Vitalina, que hoje, excepcionalmente, vão ficar de quarto de
sentinela a minha ínclita pessoa, e com os avisos avisados de juizinho Laura,
vê como te comportas, sê boa menina, recomendados pelos meus papás e com o tradicional:
Voltamos já e queremos saber como tu te portaste e etc e tal, amaciei um pouco
o meu impulso de arrumação, sentei-me e encantei-me num príncipe qualquer de
uma série qualquer dos meus bonecos da televisão, do Canal Panda, até ao
regresso dos meus papás ao sacro santo lar. Normalmente, também faço parte integrante
deste processo recolector de produtos domésticos, dá jeito pois atrapalho e
atraso bastante o processo, percebem?... Sei que sim, por isso nem vou explicar
o porquê.
Quando o pai e a
mãe retornaram a casa, o almoço já cá cantava, candeia que vai à frente alumia
sempre duas vezes, diz sabiamente o povo. Os marotos apanharam-se sem mim ou
livres de mim e chegaram tarde, tarde é favor, chegaram tardíssimo. O que será
que andaram a fazer aquelas alminhas, hum… Boa não deve ter sido!...
Sentada no sofá,
descansando do muito que cabriolei, com a avó passada comigo, via calmamente o
meu querido Canal Panda e eis que eles dão um arzinho da sua graça. Apre, que
já não era sem tempo. Todos eles eram risinhos, mansinhos, ternurentos, felizes
e contentes, pelo que, para ser solidária, e só por isso, também alterei o meu
estado de espírito de contemplativo para radiante e, entre beijinhos e
abracinhos lá foi fluindo o mais que início de uma tarde.
A avó rejubilou
de satisfação e, para seu gládio, logo deu às de Vila Diogo, assim que viu o
meu pai a rodopiar no meio dos ingredientes para a confecção do almoço; não
fosse sobrar para ela…
Almoçaram! Ou
melhor almoçámos, aproveitei para fazer um almoço tipo lanche ou um reforço do
almoço, como lhe queiram chamar. Era o que mais faltava era comerem sozinhos e
para além disso gosto sempre de opinar sobre as coisas que o meu pai inventa;
ele safa-se!... leva-lhe o jeitinho…
Apesar de em
minha casa haver sempre muita coisa para fazer, para brincar, para para… ainda
assim apeteceu-me ir visitar a minha avozinha Ilda. Apeteceu-me ir ver as
galinhas, os patos - principalmente a minha patinha branca – os gansos e acima
de tudo os cãezinhos bebés, os cachorrinhos.
Adoro, também, ir
esticar a perna e ver as flores silvestres, aprender os seus nomes, sentir-lhes
o aroma e a textura. Colher uma de vez em quando para oferecer à minha mãe ou
às minhas avós e até ao meu pai; para ele não ficar ciumento.
Entre correrias, gritarias,
gargalhadas e brincadeiras o tempo foi escorrendo e com ele o primeiro, e
verdadeiro, dia de sol desta primavera mas não só também a hora dos meus pais
irem ao supermercado abastecerem-se de uma miríade de produtos para nós e para
as avozinhas.
Desta vez não
escapei nem resisti à avalanche e upiiiii… lá fomos nós…
Tal como não
resisti à avalanche também não resisti aos abanões do automóvel e zummmmm…
Apaguei!...
Acreditem foi
assim sem mais nem ontem, tal e qual um “vipe” ou uma picada de uma mosca tzé-tzé. Fiz uma directinha até ao
jantar, aliás até depois do jantar ou melhor até ao meu jantar, pois o papá e a
mamã já tinham cumprido essa tarefa.
Limitei-me ou
limitaram-me, face ao adiantado da hora, a uma sopinha. Ainda me deram a
benesse de ver uns bonequitos para não ir para a cama de pança semi-cheia,
dádiva que não se alongou muito no tempo e, passo seguinte: Cama, onde a mãe me
leu uma historiazinha que eu ouvi em silencio, com muita atenção e agarradinha
ao meu lencinho de chuchar. Volta meia e meia volta e voltou o apagão.
Dormi quem nem um
anjinho. E, quando acordei, logo dei os bons dias ao domingo e aos papás
queridos misturados com beijinhos.
Pois… no domingo,
para variar, levantei-me um pouquito mais tarde do que é normal, o meu normal é
mesmo o sábado; cedinho, por volta das 09:30 horas e adivinhem qual foi a
primeiríssima coisa que eu disse, adivinhem, adivinhem…
Pois é, não
adivinharam! Mas eu como sou boazinha vou dizer-vos: Pai tira-me a fralda que
está cheia, só depois vieram os supraditos bons dias e beijinhos, a que se
seguiu a exigência do meu leitinho com muito “xócólate” e os bonecos da Dora “Exploradora” que como DVD que é só passa na televisão do quarto onde se
encontra o respectivo leitor. E, desta forma plena de classe, acabei com o
sonho do meu pai de dormir mais um sono, ou ficando a fazer preguiças na
sozinho na cama; paradigma de domingo. Paciência! Eu estou primeiro.
Depois de cuidar
as minhas necessidades primárias; fralda, leite com chocolate e bonecos, o meu
pai foi tratar da sua higiene diária, vestiu a roupa dos cães e tomou o pequeno-almoço.
Tudo isto ocorreu no espaço de tempo em que eu via a Dora. Por outro lado a
minha mãe andava a passarinhar por casa às voltas e reviravoltas das múltiplas
incumbências domésticas que só se fazem mesmo ao domingo de manhã, senão…
esqueçam lá isso.
Antes de sair, a
passear com a matilha, o meu pai veio dar-me um beijinho de até já, tem esse
hábito, e zus catrapus lá vai ele, com o chapéu verde azeitona de abas largas,
a vara de zambujo e a canzoada, trespassando pelo portão e deixando-nos para
trás. Parece, naquela figura rocambolesca, o Matusalém.
Enquanto o meu
pai dava largas às pernas e se deliciava a passear os bobies pelos campos a fora eu e a minha mãe ficámos sós em casa.
Chatice hem!...
Eu que gostava tanto de ter ido, também.
Todavia, num
ápice esqueci e, nada se perdeu, tudo se transformou em brincadeira, tropelia,
asneira, etc… Há coisas que eu não quero aqui referir; o pudor não deixa.
Coisas só minhas.
Em jogada de
antecipação, a minha mãe, antes que o meu pai chegasse, começou os preparativos
que antecedem a saída de casa para algo especial; o banho, o vestir, o pentear,
o pôr umas “sprayzadas” de
água-de-colónia ou perfume, sei lá… e com os: Porta-te bem filha, está quieta
amor, temos que nos despachar princesa, etc…
Chegadas aqui,
curiosa, pergunto (pois já me ia cheirando a algo diferenciado do dia-a-dia dos
dias de fim-de-semana): Onde vamos mãe? Ao que ela respondeu: Almoçar a casa da
avó Aurita e depois vamos assistir à procissão da Nossa Senhora da Piedade ou
Mãe Soberana padroeira de Loulé.
Para ser franca
do almoço eu percebi mas daquela da procissão nem pesquei um caboz… coisas de
grandes, logo, para não me atrasar, pensei.
E, enquanto,
nesta cega-rega, eis que o meu pai e a canzoada chegam. Vem todo suado. Chamando
um, gritando por outro, assobiando aqueloutro e entre “eiôs” lá foi acomodando a bicharada na casinha deles; o canil,
excepto, claro, o Syd “o guardião” e o Goya “o galã”. Para além dos cães e do
bordão o meu pai trouxe um molho de plantas esverdeadas que emanavam um
cheirinho divinal; o meu pai deu-mas a cheirar. Hummmmm… o que são pai? Como se
chamam?
- Chamam-se
poejos filha. E, são uma erva aromática que vive dentro de água, nos ribeiros e
zonas alagadas. Olha! O pai vai pô-los dentro de água para depois os plantarmos
no nosso quintal.
- E servem para
quê pai?
- Olha filha!
Podemos, com eles, fazer chá, licor, pôr na comida e até ou mesmo saquinhos,
misturados com outras ervas aromáticas, para pôr no interior das gavetas e
roupeiros para dar um bom cheirinho.
Fiquei muito
contente pois aprendi mais uma coisa nova e experimentei novas sensações. Ai
mas que belo cheirinho têm os poejos.
Finalizada que
foi a conversa o meu pai, assim como de cronómetro em punho, pois já vinha mais
que atrasado, arrancou para o banho e as consequentes tarefas pós banho; ele é
rápido nestas manobras.
Após pessoal
banhado, vestido e cheiroso rumámos a casa da avó Aurita onde, já em desespero
de causa, esperavam para dar ao “serrote ou ao corta palha” a prima Sofia, a
tia Rosário e a avó, está claro!
O almoço foi
borrego no forno, estava uma especialidade, adorei!... Podes fazer mais
avozinha, eheheheheh…
Papado o borrego
e cada um para seu lado todos ficámos a “giboiar” em casa da avó, aguardando a
bendita da procissão passar.
Quando chegou a
hora, a avó Aurita, veio avisar toda a gente ou nós mesmos e fomos todos, para
parecermos muitos, para as janelas, onde a avó tinha pendurado duas colchas ou
colgaduras, uma vermelha e outra dourada, engalanando as varandas em honra da
Santa.
Vi tudo e
compreendi porque se chama procissão aquela vaga, aquela mole humana andante à frente
e atrás do andor, é porque vão todos atrás uns dos outros ao mesmo ritmo ou
quase, formando um fluxo contínuo e ondulante. Afinal, era uma festa grande: A
festa grande da Mãe Soberana, como referiu a avó.
Depois de passar
o andor com a Santinha e os outros todos que eram mais que muitos, só restaram,
as pétalas das flores que as pessoas atiravam às mãos cheias (eu ajudei) e aqui
e ali algum transeunte, assim como que perdido, iniciámos os preparativos de
saída. Íamos ver passar a festa a outro local.
O dia estava
solarengo, por isso decidimos fazer o percurso a pé, excepto o meu pai que teve
que levar a avó no carro, ela, coitadinha, está velhinha e custa muito a andar,
pois tem osso que lhe magoa da planta do pé, é como se andasse com uma pedrinha
dentro do sapato.
O ponto de
reunião escolhido, como sucede todos os anos, foi o bar do Jaime (Bar
Marroquia), na Rua Nossa Senhora da Piedade, onde a minha avó já tem reservado
tacitamente um lugar para ver passar o andor e acompanhantes e, também, de onde
o meu pai entra na multidão em movimento, logo atrás ao andor, para acompanhar
a Santa à sua casa no alto do cerro. O meu pai e os outros dizem que vão subir
a ladeira para ajudar os homens do andor a levar a Nossa Senhora a casa, ao
Santuário. E, assim, lá vai ele de braço dado com o indígena do lado, no meio
de vivas à Santa e aos homens do andor, só regressando quando regressam as
Bandas Filarmónicas que precedem os homens do andor. Entre vivas, saltos,
danças e correrias lá chega ele todo suado e afogueado.
Para o ano, que
já sou grande, também quero ir.
Aí, depois do
merecido (???...) descanso, chegou a hora dos caracóis, do pão torrado e das
imperiais, para mim e para a avó água fresquinha, e começa a parte que eu mais
gosto. Adoro caracóis!...
Este ano,
juntaram-se a nós uns amigos dos papás: O Emiliano, a Fátima e a Joana, a filha
mais nova. A Joana tem a minha idade. Foi amor à primeira vista, isto é,
gostámos muito uma da outra, somos compatíveis, nem houve necessidade de
vergonhas ou quebra-gelo, simpatizámos à primeira. Fartámo-nos de brincar, foi
tão fixe.
Dos caracóis à
pizza, ou seja do Bar do Jaime à Pizzaria do Renato “Loulé Pizza”, foi um
saltinho, tal como foi um saltinho do lanche ao jantar. A pizzaria estava
apinhada, mal nos podíamos mexer; só debaixo da mesa, e uma danada de uma
algazarra pairava no espaço, enchendo toda a casa de um barulho ensurdecedor.
Todavia, festa é festa… e neste ambiente festivo e ruidoso, devorámos o pão de
alho e as pizzas e mais que fosse…
Finado que foi o
jantar; contas pagas é claro, tive que dizer adeus à Joana e à brincadeira, o
que não foi muito do meu agrado, diga-se.
Seguidamente o
meu pai foi buscar o carro onde todos nós nos enfiámos, rumando a casa mas,
todos, a avó, a prima, a tia… hummmmm estranho mas… Fiquei-me sem perguntas. Mas
estranho mesmo foi o meu pai parar o carro a meio caminho de casa e depois
manobrá-lo para que ficasse voltado para a vila – Loulé é uma vila só que, não
sei porque carga de água, insistem em lhe querer chamar de cidade, palavras do
meu pai.
Apesar de
mortinha de sono e desconcertada com tão aberrante e incomum paragem ainda me
ia animando com a prima Sofia em brincadeiras de espaço exíguo. Estávamos nós
neste jogo de gato e rato quando oiço um descomunal “pum” seguido de vários
outros “puns” de menor intensidade, porém mais frequentes no tempo e um mundo
de luzes coloridas no céu. Assustei-me, claro! Não fazia ideia do que estava a
acontecer, até parecia que o tecto do mundo ia desabar em cima das nossas
cabeças ou melhor do tejadilho do carro. Fiquei cheiinha de medo e comecei a
dizer, repetidamente, ao meu pai: Avança, avança,…
Eu estava com
medo e ninguém entendia. Todos me falavam em fogo-de-artifício e apontavam para
o céu, dizendo: Olha. Como se eu estivesse cega. Acontece que eu não queria nem
ver nem ouvir nem tão pouco saber. Eu queria mesmo era ir para o conforto e
segurança da minha casa.
Fiquei
impermeável a palavras e explicações, os meus ouvidos ficaram surdos ao que
quer que fosse que não aos estrondos no céu e os meus olhos cegos que não para
as luzes que enchiam a noite de clarões e o meu coração de pavor. Conclusão: O
chinfrim só terminou quando o carro iniciou o movimento que tanto tudo em mim
ansiava e gritava: O avança, ou seja quando o carro começou a avançar na
direcção a Loulé.
E, no meio de
choradeira e gritaria; nada me consolava, o meu pai avançou.
Primeiro na
direcção de Loulé, onde parámos em frente da casa da avó e descarregámos esta,
a prima e a tia. Depois regressámos para a nossa santa casinha. Aí eu já ia
mais contentinha, o achaque já me tinha passado e tudo estava de pouco a pouco
a retomar a normalidade. Apre não gosto de fogo-de-artifício!
Já em casa foi
envergar o pijaminha e vale de lençóis…
E, voilá, terminou o meu fim-de-semana
quase, quase a iniciar-se a semana, eram precisamente 23:58 horas quando
assentei arraiais na almofada.
tÓ mAnÉ
(in Laura Solange dixit) -
2013.04.(13,14)
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