segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Três tristes textos (Protesto e/ou a graça?!...; O Sr. Birra; Apetites de ser)

Protesto e/ou a graça?!... -- Não passa um só dia que eu não proteste. Tal como nem um dia só se vai que não dê graças a Deus. Protesto e agradeço em doses diferentes e consoante a vontade mo exige. O dar graças dá-me ânimo para protestar. O protestar traz-me as bênçãos e as dádivas de Deus de que necessito para continuar este périplo diário, sem me sentir manipulado por cruzes e fios de nylon, tal e qual uma marioneta, neste teatro burlesco em que todos vivemos e em que o espectáculo somos nós. ----------------------##---------------------------------##---------------------------------------##--------------------------- O Sr. Birra -- Hoje trouxe o meu adorado bloco de notas, reticente, devo confessar, teria, melhor optado pelo meu livro de leitura ou talvez pela companhia de alguém. Mas, teimoso, agarrei-me às letras pintadas neste fundo, apesar de nada me ocorrer para o preencher. Limito-me a construir palavras e a soldar linhas com elas; forjar frases avulsas, sem sentido, conspurcadas pela ausência de imaginação. Deveria ter a decência, se é que ela é para aqui chamada, de não encher de desabafos desconexos estas folhas virgens, puras que merecem bem mais que uma sujeira, uma diarreia mental, uma descarga (maus humores figadais) biliar ou algo bem pior, quiçá, uma demência momentânea. Pois, na verdade, até parece que estou tomado pelo Sr. Birra, que, usualmente, costuma afectar os bebés e garotos de tenra idade e até os vovós, como também a classe política e outras vedetas afins ou ainda algumas mulheres na temporada da “chica”. ----------------------##---------------------------------##---------------------------------------##---------------------------- Apetites de ser -- Apeteceram-me “pucarinhas” assadas em chapa quente com uma pitada de sal ou uma folhinha de toucinho fumado, até parece que estou prenhe. Prenhe de uma vontade enorme de mudança – mudar de estilo de vida. Ser mais, melhor e diferente. Ser farol num mar ausente. Ser música soprada, expelida, escorrida da boca de um vulcão activo, não em erupção. Ser névoa que absorve e bane a mentira em nós contida. Ser sólido, aquele que abala todos os padrões da geometria. Ser luz, aquela que perfura a noite da loucura, da insanidade dos Homens. Ser aquele, que não Deus; Esse, divino, não castiga, perdoa na Sua eterna magnificência, que ergue a gadanha e faz a (in)justiça que a justiça não se atreve a fazer. Alfim, ser aquele que veste de amarelo quando a moda é vestir preto. tÓ mAnÉ Editions

No Zé dos Matos

No meio, ou no seu mais ou menos, da segunda intervenção do segundo painel do Colóquio “Metamorfoses do Campo e da Cidade”, por volta das treze horas e trinta e tal minutos e, após uma considerável diarreia literária, em módulo de leitura de autor, inacabada, que versava sobre arrogante e vã tentativa de estreitar o campo à cidade, através de alegorias e extractos de poemas e textos, de Virgílio, de Almeida Garrett – Folhas Caídas – ou mesmo Eça de Queirós – A Cidade e as Serras, desabafo um pouco mais alto que o que conviria à ocasião ou ao evento: Socorro! E, acto imediato, levanto-me e saio com cara de desagrado. No caminho entre o auditório e o automóvel, faço uma pequena passagem e paragem nas instalações sanitárias. Mijo. Inspecciono o prepúcio que, após os abusos e maus-tratos da véspera, estava-me a provocar um ardor incómodo. Nada detectei de anormal, nem sequer um vermelhão ou um prurido que fosse. Botei a gaita à cueca e corri o zip das calças, lavei as mãos e propus-me ao caminho. Sentado no carrinha, ainda estacionado, com o estômago a roncar por um reforço ao pequeno-almoço, apesar das bolachitas e dos bolos do coffee break, e contemplando a luminosidade deslumbrante do dia que me entrava como um flash luzente na alma, bem como a temperatura amena que se fazia sentir inobstante a época do ano; início de Novembro, uma ideia desatou a bailar na minha cabeça: Estou no parque de estacionamento da Universidade Campus das Gambelas, não vejo o mar há já algum tempo, estou só e sem compromissos, e o tempo, por si só, até convida, porque não hei-de dar um pulinho ao Restaurante Zé dos Matos em pleno Parque Natural da Ria Formosa, na Ilha de Faro?... E não havendo um porque, o rumo, tal como o destino, estava traçado. A viagem é curta, como curta é distância entre os pontos da partida e da chegada, agradável, onde se beneficia de uma paisagem maravilhosa e de uma fragrância inesquecível da Ria Formosa em plena baixa-mar, contrapondo com a estopada do colóquio entre o bulício da cidade e o bucólico dos campos. Foi com uma enorme sensação de bem-estar e uma satisfação inefável que vi deslizar, pelo exterior dos vidros da 308 SW, os contornos da ponte que liga a zona do sapal à estreita faixa de terra que a separa do mar. Deslumbra pela fragrância peculiar da brisa a maresia, inquinada pelo almíscar do matope das zonas alagáveis, agora descobertas, que enche, preenche e turva os sentidos enquanto circula livremente atravessando os vidros abertos da carrinha. Estacionar, foi mesmo à porta do restaurante, apesar do sexto dia, da sexta-feira, do mês de Dezembro, do ano de 2013; É a crise, dizem uns e a oportunidade dizem outros, mas de que importa isso afinal, para eternizar, o meu momento de felicidade?... E, eis-me à porta do conhecido Zé dos Matos e, isso sim é que é assaz importante. Uns passos mais e descubro-me a escolher, sob orientação, uma mesa no avançado coberto que, na realidade, se encontra posicionado nas traseiras do estabelecimento e, que permite uma ampla visualização, um privilégio único, da Ria de Faro e da ponte de acesso à ilha, que de facto não é uma ilha mas sim um istmo. Nesse momento, assalta-me a cabeça a seguinte ideia: Deus é grande, é bom, é pai, é negro e é fêmea. Obedecendo, sentei-me onde me foi indicado - na mesa já por mim, mentalmente, pré-definida - ou seja, em qualquer uma das mesas livres que, por sinal ou mau sinal, eram o universo de quase todas, triste sinal dos tempos este, pois em tempos idos sem marcação havia que esperar e desesperar ou levar na cara com um redondo estamos cheios, atirado em surdina, pelo empregado que, em vão, tentava empregar ou envergar o melhor de todos os seus sorrisos. A maré, entretanto, já enche. Assim ditam, para quem sabe um pouco de marinhagem, as proas dos barcos que se viraram a nascente, para a foz em estuário. Abro o cardápio, rebolo os olhos sobre ele, donde, sobressaem, quatro iguarias, que de imediato, despertam a minha gula, provocando-me um rosnar surdo no estômago, avisando-me do adiantado da hora. Ovas fritas, “eirózes” (assim estava escrito, onde é que já se viu um menu sem erro, até parece mal) fritas, arroz de lingueirão e raia de alhada, e o meu estômago famélico rebolava. Pouso a lista na mesa. Acorre de imediato o empregado. Inteiro-me se poderia pedir uma mista de ovas e eirós ou irós ou ainda enguias, todavia nunca “eirózes”, acompanhada de meia dose de arroz de lingueirão ou langueirão. Pesaroso, o empregado, responde que não. Aí opto, entre um piado, deambulante, de uma gaivota que passa pairando no vento e um olhar de relance à ponte, pela raia de alhada, afinal estamos no tempo dela, da raia, não menstruada; na gíria, dizem que, a raia está menstruada quando a raia adquire uma tonalidade avermelhada, durante o período de eclosão larvar que ocorre entre Fevereiro e Agosto e, que durante o mesmo não se devem comer. Para acompanhar peço três quartos de um branco fresquinho – Vinha das Servas 2012 da Herdade das Servas; um alentejano encorpado e frutado, vai bem com o prato escolhido, faz-lhe a cara. Aguardo. E, enquanto isso, resolvo começar a derramar imbecilidades sobre o meu bloco de notas; tinta que agarrada a ela traz mais tinta, fazendo do compasso de espera um acto de entretenimento pseudo-intelectual. Inicio a escrita. Observo quem me rodeia. Todavia não vou por aí. Eis que esvoaça um fiapo de ideia na minha mente: É contumaz, estou sozinho, que mais hei-de fazer que não roçar pelo papel a esfera da esferográfica, tombando nele os meus pensamentos soltos, esvoaçantes tal como balões de hélio livres de peias, e observar quem e o que me rodeia, entre um copo de vinho, um sorriso solitário, talvez até patético. Eis que o tacho em alumínio faz a sua entrada triunfal na sala e aterra pleno de classe sobre a mesa, libertando um odor acidulado, todavia maravilhoso. É o acepipe que chega para libertar do sofrimento o meu estômago já rancoroso que entre um urro e um ronco, exige o que lhe é de direito. E, assim, dei o início a um intervalo para o abuso… Generosa é a palavra que define a dose e generoso foi também o abuso; foi enfardar à fartazana como o bom povo diz. Cometido que foi, comido e bebido, assim o está. Só peço a Deus que não me caia em mau saco e não me meta em alhada alguma, pois a cozinheira carregou no vinagre da raia, no que concerne ao meu estômago e ao meu gosto singular. Quanto ao resto, impecável, o café já fumega, e para meu conforto, bom de tragar, LAVAZA grita a chávena, porque hei-de duvidar? Quinze e dez brilham nos ponteiros do meu Citizen Eco-Drive, peço a conta; a “marafada” como se fala no meu Algarve. Pago. Não reclamo como é meu uso. Mijo, lavo as mãos, e saio. O regresso nem sempre tem mais encanto tal como a despedida e, foi o caso, pois não me apetecia regressar nem tão pouco despedir-me. Queria mesmo era ir sonhar, enquanto marcava, aleatoriamente, as minhas pegadas na areia molhada da beira-mar. Incontornável. Tive que abrir mão dos sonhos e voltar a pôr os pés no chão. A maré, na força da enchente, impou, ganhou espaço, espraiou-se pelo sapal, o cheiro a maresia almiscarada, apesar do levantar da brisa em vento, quase se dissipou, até o caminho de regresso parece que aumentou. O colóquio espera-me para um terceiro e quarto painel, intervalados por um coffee break. Chego atrasado mas daí não advém mal. Agora, entediado, no anfiteatro sentado, toda a magia se esfumou. Abla una española, num “españolez”, sobre um projecto na bacia hidrográfica da Ria de Alvor, todavia longínqua voga a minha alma, voga solta e sonhadora… Rezo! Rezo para que o sono não me dê e, se me der que não durma e, se dormir que ao menos não ressone e, se ressonar que sejam todos surdos ou que ninguém esteja atento ao acto… tÓ mAnÉ Editions

Forjador de vidas

Tentei, incongruentemente, juntar os pedaços da minha vida e fazer deles um mundo igual a todos os outros mundos mas o infortúnio de ser desigual aos demais não me permitiu tal veleidade, obrigando a que o puzzle dos meus dias e, a cada dia, não se completasse como assim o destino o predestina. O decorrer dos dias fez correr os anos e o número de peças soltas foi, atormentadamente, aumentando e, o que de início, não passava de um mero buraco, ou dois, soltos, na pequena grande folha das vinte e quatro horas, com o vazar dos tempos, cada vez mais as peças faltavam, ou sobravam, ou simplesmente estavam desajustadas ao puzzle e os espaços em branco engrandeciam, rasgando os meus dias como grandes clareiras num bosque, abrindo vazios, inexpugnáveis e insondáveis, em mim, desanexando-me e desindexando-me das páginas (constituídas por doze horas) e das folhas e por fim, lavrados que foram os anos, do próprio livro fui, lentamente, expurgado, até apenas uma reminiscência de mim perdurar, teimosamente, sob a forma de uma áurea diáfana. Hoje, recordando de longe, do local onde me refugio em segurança, reconheço que as folhas eram formas de estar e as peças soltas os elos que deveriam encaixar-se numa realidade diferente, um painel de outro livro, o livro da vida que deveria ser mas, não era, a minha, eram as peças desajustadas e as que sobravam (por pertencerem ao mesmo tempo a duas realidades, a duas vidas separadas, eram as peças coincidentes) que completariam os brancos livres das folhas incompletas que formariam um outro livro de uma outra estante nesta biblioteca, neste arquivo semi-morto, da vida. Esta seria a recôndita prateleira da estante onde guardaria o livro que deveria ter sido a minha vida, vida inscrita, a ferro e fogo, nestas peças, irrecuperáveis, que foram atiradas nas profundezas do tempo, recalcadas, humilhadas, todavia nunca esquecidas. Esta prateleira seria, dessas peças o cemitério, e era lá que deveriam, libertas, serenas repousar e descansar eternamente. A vida que (sobre)vivo misturou, na sua infinita ignorância, estas duas nefastas realidades, criou um mundo desequilibrado, pleno de lacunas, brechas e clareiras, inquinado, que viaja permanentemente de um eu que não era EU, para um NÃO EU que era no final eu e, neste périplo sem fim à vista, a insatisfação vai galopando desenfreada dentro de um ser híbrido, um eu-nim-EU, perdido, inexoravelmente, entre o ser e não SER e, irremediavelmente, atirado no mundo do estar sem que na realidade lá permaneça; divaga no mal-ESTAR indeterminadamente. Esta duplicidade de SER por não ser conduz a um percurso sinuoso onde, a rebelião, sufocada pelo sentido de responsabilidade apegado ao não mundo que a própria vítima cria ou deixa criar, assume-se, com a travessia dos tempos, como um coma induzido. Esta artificialidade, no entanto e contrariamente ao coma induzido, vegeta, inconsequentemente, entre explosões de ira incontida e uma paz em banho-maria e, assim, vai-se afundando numa depressão reprimida, estudada, todavia nem sempre domada e contida. Vejo nestas palavras um homem quebrado pelo silêncio, pela violência das palavras surdas sopradas ao vento, jamais expressas, impostas pelas memórias de um EU, irremediavelmente, perdido nas peças que cada folha, impreenchível, largou a estagnar, a apodrecer nas poças e nos charcos existentes nas clareiras dos bosques, que resultaram das lágrimas impostas que os alagaram. Deixando, inacabado, na prateleira da estante mesmo ali ao lado, um livro, a história do meu EU, a história de alguém que não este boneco, de vida, animado. Porque me entrego assim?... Será uma rendição?... Ou será antes uma consequência directa deste circo, desta arena de areia sangrenta, onde me vejo como o chacinado e nunca como o gladiador vencedor?... Será que estou alquebrando e deixei que fosse traído e ultrapassado pelas subtilezas da vida?... Esta mesma vida pela qual passei e passo ao de leve, deixando mesmo parte dela por viver, parado num marasmo basbaque de quem nunca viu aquilo que já nada tem para ver. Contorno partes, noutras porém passo as folhas relegando as peças mais inconvenientes, tentando esquecer as que supostamente não interessam, ou as que tomo por irrelevantes por conveniência, ou ainda largando-as no branco e preto da indiferença por descabidas. Assim, faço e desfaço a meu bel-prazer, as lacunas, as clareiras, as partes brancas e, vou fingindo a vida que vivo, vivendo uma vida que não é, necessariamente, a minha, abandonando a vida que deveria viver, vivendo na penumbra duma vida que não é minha. Quem sou eu?... Um forjador de vidas indevidas?... Ou a improcedência do bem e a inconsequência do mal?... Quem sou eu afinal?... tÓ mAnÉ Editions

Crónicas FDS da Laura - Registo XVII

Pois, pois, pois o sábado já abriu alas pelo corredor, estreito, da minha herdade. Quem vem lá, quem vem lá? O fim-de-semana e com ele, aos trambolhões, as minhas crónicas de FDS. Parecida, semelhante, quase igual, aproximadamente análoga com todas as outras manhãs de sábados, assim foi esta manhã de sábado. Uma repetição do que já é repetido, um eco, uma reverberação próxima mas também tão longínqua, um aperceber desapercebido. Começou, tal como no sábado passado, com o pequeno-almoço na mesa da rua, do pátio da cozinha, sobre uma enorme sombrinha ou chapéu-de-sol ou pára-sol, azul, desbotado de outras épocas, que a minha mãe resolveu montar junto à mesa para tornar mais agradável a nossa estadia; o sol já vai picando. Comemos o mesmo de sempre, para variar, claro. Eu devorei o meu leitinho com muito “xicólate” e a mãe, lambuzou-se, com uma tosta mista, um galão caseiro e um sumo de laranja natural, feito na Bimby, aquela maquineta infernal. Quanto ao meu pai: Na cama na ronceirice. Adivinhem quem nos veio visitar logo pela manhã? Pois não adivinham, faltam-lhes os dotes, mas eu digo-vos: O Ioan e a Maria, fiquei muito contente – a Maria cresce a olhos vistos de dia para dia e, cresce para a frente e para os lados. Ela está descomunalmente grávida, e vai ter um menino. Tenho que lhe perguntar se ele ainda se vai chamar Alexandru, acho o nome tão estranho para um bebé pequenino. O Ioan, mal bebeu o café, foi logo trabalhar, deve ter combinado, da última vez que cá esteve, algo com o pai, coisas lá deles e das quais não percebo patavina. Apenas ouvi falar em arranjar a campainha e o videoporteiro que estavam avariados há mais de um ano; as coisas aqui em casa são assim: Se não faz muita falta pode esperar, está-se bem! Agora que estou a falar neste assunto recordei-me de uma coisa que achava muito curiosa e engraçada que vou partilhar convosco: Sempre que o conserto do videoporteiro vinha à baila ou pela boca da mãe ou pela má-língua da avó Ilda, o meu pai respondia invariavelmente: Assim não me chateiam! E encolhia os ombros como que a atitar o tema objecto da observância para trás deles, os ombros. Que será que ele queria dizer e mostrar, pergunto-me. Estávamos, eu a mãe e a Maria, o mulherio, comodamente sentadas à mesa de pequeno-almoço, quando, vai de lá senão quando, apareceu a avó Ilda - ela está avelada, olhem-lhe só o aspecto, o ar - numa de quadrilhice – assim que denota algo ou vê alguém que não é usual acontecer ou aparecer, ou seja, que sai um pouco dos costumes da sua loucura do dia-a-dia, vem logo meter o bedelho. Está-lhe no sangue, que fazer?... Mas verdadinha dita até que este comportamento, coscuvilheiro, dá um certo jeito. É como ter um polícia em casa ou mais ou menos, pois ela não foge e dá o alarme e o polícia mais ou menos. Já o tempo tinha feito rodar o sol quando, estremunhado, de pijama e coçando o “sim senhor”, apareceu o meu pai para se juntar a nós. Altura em que o Ioan também deu por encerrada a tarefa. Finalmente a campainha, de cujo som já me havia olvidado, e o videoporteiro estão operacionais (vamos ver até quando!), Allelujah!... Vou ter que vos fazer uma confissão que por relevante não poderia ficar, neste espaço de tagarelice aberto ao critério da vossa imaginação, por linha branca. Assim, confesso que: Deveria ter começado este relato, esta minha crónica FDS, pelo final de tarde de sexta-feira. E porquê a ousadia de começar logo por sexta-feira? Ora vamos lá então, mas por partes, tal e qual um jogo de futebol. Parte um ou primeira: Porque o fim-de-semana começa logo que deixo a porta da escolinha, o que acontece, salvo raros e honrosos casos, na sexta-feira à tardinha e, porque, basicamente, estamos no verão é ainda muito de dia porque no inverno é noite cerrada. Parte dois ou segunda: Porque os meus pais resolveram, às vezes dão-lhes estas telhas ou venetas, oferecer um jantar na minha, que é a nossa, casa, A quem? Hummmmm… Pois claro: À minha prima Cátia, ao primo emprestado Tomás, ao priminho Gustavo, ao tio Orlando, à tia Ondina, à avó Ilda e à tia Vitalina. Raio que já estou cansada de tanto badalar família e como vocês já os conhecem todos sobejamente nem mais um pingo de baba que vou esbanjar sobre este assunto. Parágrafo. Falemos antes de comida que é bem mais interessante e gostoso. O jantar que foi mais um repasto e peras ou maçãs ou como vos der na real gana, foi constituído por uma massada de pargo e corvina, quiche de frango e gambinhas frescas da costa, cozidinhas, isto sem mencionar doces e frutas variadas. Nada deixei para trás. Petisquei de tudo e por tudo o que foi sítio, até me atrevi a meter o bedelho na canjinha de frango, cebolinha e massa de argolinhas do priminho Gustavo, que estava de estalar. Foi uma festinha bonita e digo festinha porque afinal sempre foi algo mais que um simples jantarinho. O Gustavo é terrível das orelhas, nem queiram saber a energia que o raspelho tem, só mesmo visto. Era meia-noite e picos quando se deram, finalmente, por encerrados os trabalhos ou melhor quando todos resolveram recolher aos respectivos sacro santos lares. Para dizer a verdade eu já ansiava por isso e acho que o meu pai também, pois falando por mim, já estava borradinha de sono e já estávamos no sábado, ufa… até que enfim que desampararam a loja. Bem, agora que já escancarei tudo o que tinha para dizer de sexta-feira voltemos ao dia de sábado, mais precisamente a manhã, que ficou para trás com a abertura deste parêntesis. Depois de terminado o trabalho e dadas duas de conversa e três de simpatia, o Ioan ajustou as contas com o pai e foi-se embora com a Maria; ouvi dizer que tinham outras coisas para fazer razão pela qual não aceitaram o convite para o almoço. Apesar de a hora já estar bastante entrada na tarde, ainda houve tempo para brincar às corridas à volta de casa com o meu pai, que acordou bem disposto e prestou-se à “cansadeira” de andar atrás de mim à volta e à volta de casa. E, de tropelia em tropelia, eis-nos chegados à hora da paparoca. O almocito foi parco em inovação, poderia dizer que foi uma reutilização de produtos cozinhados para o jantar da véspera (não se pode desperdiçar a comida. Morre muita gente com fome, está sempre o meu pai a dizer), nada de grave e soube-me bastante bem, não sei se foi pelo adiantado da hora ou se realmente estava nos trinques. Engolido que foi o almoço de pedaços disto e daquilo cada um desabelhou para seu lado. O pai foi fechar-se no escritório, agarrado ao computador, para ajudar a mãe, com a tese de mestrado, essa bendita ou maldita coisa, de que já estou farta até à medula óssea ou ao tutano, nem sei bem o porquê nem em quê, o que também não me interessa nada, pois eu fui sacrificar-me a ver os meus bonecos e a brincar ao faz-de-conta, enquanto a mãe, primeiramente, se agarrou aos tarecos da cozinha e depois foi transladar dos roupeiros, coisa que deveria já ter feito à séculos, a roupa de inverno e substitui-la pela de verão, parece que finalmente o tempo bom chegou, o que já não era sem tempo, por onde é que ele terá andado, conjuro. De tanto estar sentado na cadeira, desconfortável e anatomicamente incorrecta, da secretária, o papá piorou das costas; aiiiii os meus lombos, como ele diz. Estar muito tempo sentado faz-lhe bastante mal às costas e hoje não foi excepção. Ao levantar-se, metia dó, até parecia um velhinho, não é que seja muito novo mas também não é assim tão velho, eu viu-o bem, apesar dele não ter reparado, estava todo encurvado para a frente, segurando as ilhargas com as mãos, e quando começou a andar os passinhos eram muito miudinhos e arrastados e apoiava as mãos, para se equilibrar, onde podia ou melhor jeito dava. Segurei-o, ternamente, para ele não cair, não que tenha muita força mas para ver se ele se animava um pouquito mais e se sentia apoiado, e acompanhei-o até ao quarto, onde se deitou, sobre a cama, de borco, isto é,de barriga para baixo e, juntando o ânimo que lhe restava, chamou pela mamã; estava mesmo derreado, nunca o tinha visto assim tão dorido. Ainda bem, a mãe, não tinha penetrado nos aposentos reais, já o pai lhe pedia para que ela lhe fizesse um massaginha às costas com o creminho de tomilho milagroso que serve quase para tudo e todos os fins, de acordo com o Professor Dr. Tarass Koval, personagem já caracterizada nestas minhas crónicas de FDS. Cuidadosamente a mãe foi-lhe sovando as costas com o benfazejo creme e à medida que ia surtindo o seu mágico efeito o meu pai ia relaxando, até que ali ficou “desmastriado” e meio para o esquecido, sozinho, a curtir as suas mágoas. Enquanto o meu pai estava todo entornado sobre a cama, nós as mulheres, iniciámos os preparativos para uma deslocação higiénica à praia; um saltinho de sol, mar e areia. Nada, mesmo nada fácil é efectuar a reunião da tralha necessária ao evento, pois a tralha é mesmo mais que muita e os adereços, esses, juntos são mais do que a areia da praia. Tarefa, ainda que árdua, realizada. Agora urgia saber se o saltinho se daria ou não e aqui entra novamente o meu pai em acção: Primeiramente, a mãe, foi verificar o estado do seu estado e só depois de uma análise rápida resolveu perguntar-lhe: Sempre vamos à praia? Está tudo preparadíssimo! Acho que eles já tinham combinado o programa previamente. Vamos sim, respondeu o pai, acrescentando: A miúda necessita de apanhar ar, sol e água do mar. Dar umas banhocas e brincar um pouco na areia. Passa a vida encafuada em casa, bolas. E não há-de ser por minha causa que vamos ficar em casa. E, dizendo isto, levantou-se, a custo, mas levantou-se, preparou-se, sabe Deus e ele a que custo, todavia não deixou de ir comigo ou melhor de nos acompanhar. Vejam só que até pediu à mãe, não sendo inédito não o é também usual, para levar o carro, alegando que não tinha coragem e que era perigoso nas condições em que se encontrava. Desculpas esfarrapadas, de quem está de rastos e, não o admite. Orgulho nu e cru! Estas foram as condições, inegociáveis, para que pudéssemos chegar à praia de Loulé, em Quarteira. Abro aqui umas chavetas, por serem mais, hierarquicamente e matematicamente falando, que parêntesis, para revelar que o meu pai não se atreveu ou melhor nem sequer ousou a tentar fazer quaisquer das manobras de praia, como por exemplo: Transportar o saco dos brinquedos ou espetar o pára-sol e, claro, também fazem parte de uma boa tarde de praia, as brincadeirinhas envolvendo a minha ilustre pessoa a areia molhada, a banhoca conjunta que é muito “fixolas” e é condição sine qua non de praia na sua verdadeira acepção da palavra. Sabem, vendo-o como o vi nem me atrevi a exigências, o coitado estava mesmo mal, via-se na perfeição. Assim, ficaram as despesas inerentes a estes custos por conta da mamã. Inobstante a água do mar estar um tudo ou nada para o fresquinho, o que para mim é irrelevante, pois fresco não é palavra de ordem quando se trata de banhoca no mar, coloquei as braçadeiras cor-de-rosa e fui com a mãezinha desfrutar de um reconfortante banhinho. A mãe não compartilhou do meu regozijo, não sei porquê, a água só estava mesmo fresquinha, e quando saiu da água parecia uma perua depenada. Tenho uma confidência para vos fazer: Enquanto brincava, na areia molhada, a fazer castelos de areia, conheci um menino. Não lhe perguntei pelo nome, o acanhamento não deixou, acham que teria sido importante?... Eu também não achei. Quando o conheci ele estava a fazer uma cova na areia mesmo à beira-mar que, estava sempre cheia de água. A maré enchia e com ela a cova, isto aliado ao estado um pouco agitado do mar, proporcionou-nos uma bela de uma piscina natural com aguinha sempre renovada. Adorei tomar mais umas valentes banhocas na piscina improvisada. Com o cair da tarde, ao longe, ouvimos uns gritos algo familiares, um pregão como lhe chama o meu pai: Bolinhasssss, bolinhasssss, bolinhasssss de Berlinnnnn, era um rapazola que gritava ou melhor apregoava, segundo o meu pai. O ratinho que tenho na barriga logo acordou e desatou a ratar, a ratar a pedir-me uma, ele adora bolinhas de Berlin. Comprámos-lhes uma, desta vez fizemos-lhe a vontade ou satisfizemos-lhe a vontade, mas só desta, uma vez que as bolinhas não passam de pocinhos de gorduras polinsaturadas, um verdadeiro veneno para a saúde do ratinho. Porém, azar dos azares, quando já meia marchava a outra metade resolveu rebolar-se pela areia. O meu ratinho ficou inconsolável e, eu, ao ouvir aquele baque surdo na areia, fiquei lívida. Paralisei. A tristeza invadiu-nos, a mim e ao ratinho. E chorámos, e gritámos, todavia o fedelho que vendia as bolinhas não voltou a gingar na areia da nossa praia. Apre, irra que chatice!... Bailando neste vira que não vira a hora da fuga, velozmente, fez a sua aparatosa aparição. Rebolou sobre si, sorriu e piscou o olho à malta, fez uma vénia e partiu, não falou mas tudo disse e, zus Loulé City ou melhor Vale da Rosa Parvónia. E daqui não levam mais uma palavra que seja. Nada mais vou contar, porque estaria a ser fastidiosa e a fazer um replay em slow motion do que é useiro, vezeiro e costumeiro dos meus, já incontáveis, relatos de FDSs. Imaginem!... Façam alguma coisa para variar. Vá lá cambada. Voltarei amanhã, revigorada, cheia de promessas e aventuras; assim o espero. Domingo, ó domingo… tu que és o dia que antecede a segunda-feira e me trazes a esperança e a promessa de que a véspera de sábado vai ainda demorar, por isso ao fim da noite eu te odeio, o que tens ainda para me mostrar, me ensinar antes que te desfaças e percas nos braços da madrugada do dia que se te segue?... Revela-te domingo meu! E foi só pedir que logo o domingo se rebolou, na sua generosidade sem par, derredor os nossos corpos e perante os nossos olhos, mas que “bicho laruta” me saiu este domingo é mesmo de “fina-arrasga”. A primeira revelação veio sob o espectro, volúvel, do primo André que nos agraciou com a sua insigne presença, a sua e a do seu, deletério, computador, apêndice que se lhe prende na extremidade de uma das mãos para, de tempo em tempo, dar descanso à outra, todavia, sempre presente. O André, também é detentor de um outro apêndice de algibeira ou bolso, que serve para contrapeso do peso que lhe falta, o telemóvel last generation, comme il faut. Largando-me deste assunto, e esquecendo as mariquices ou maquinetas tecnológicas das quais, o primo, tanto gáudio faz, vou dedicar-me a outro de não somenos importância ou relevância e que se traduz num volte face de 180 graus ou num looping de personalidades, porque falar do André e passar de seguida para o meu pai é como se fosse a acelerar em sexta velocidade e de rompante enfiasse uma marcha atrás, são caminhos paralelos e de sentido inverso, cruzam-se de quando em vez no infinito. Ora vamos lá ao salto de personalidades. O paizinho não melhorou das moléstias da véspera, as costas não lhe deram tréguas durante a noite e pela manhã também não enterraram o machado de guerra, pelo que lá teve que ir, contra vontade, de rota batida para o Centro de Saúde, à rasquinha. Haviam de vê-lo todo torcidinho; não gosto nada de ver o meu pai assim. Demorou-se por lá tanto tempo que até tive tempo para me esquecer que ele não estava em casa – passaram-se tantas coisas pelos entremeios que, o facto, de facto, não se pode traduzir em admiração alguma, por isso, vamos lá a fazer bico pequenino e calar esse Óooooo gigantesco de desaprovação e filha desnaturada, pois estou certa que a vós vos aconteceria a mesmíssima coisa. Senão vejamos como rolou a locomotiva, neste apeadeiro: Comecei por me enrolar na brincadeira com o primo, depois os jogos de computador gritaram pela minha atenção, para seguidamente os malvados dos bonecos me aliciarem até à sineta para o rancho, para, logo após o almoço, voltar a repetir todas estas tarefas, ainda que, não necessariamente, pela mesma ordem – aleatoriamente, percebem? Vejam bem o tempo como ele é na sua verdadeira essência, umas vezes passa tão depressa que nem damos por ele, outras, porém, leva eternidades para se diluir nos ossos e, como diz o Dr. José Seguro: Os dois anos deste governo mais parecem dois séculos. Batidas já eram as dezassete horas quando o meu pai voltou, ressalve-se que quando saiu ainda não tinham batido as onze e, para ele o tempo deve ter escorrido bem devagar, pois quando a mamã lhe perguntou como é que ele estava, limitou-se a dizer: Tenho as “nalgas” feitas num passador. E, se tinha palavras que o apoquentavam guardou-as por ali deixando a retórica para outra ocasião ou para um nunca mais, dirigindo-se directamente para o sofá e espojando-se nele abundantemente. Neste marasmo, o que restava da tarde foi, indolentemente, passando. O pai no sofá. A mãe às voltas e reviravoltas com a tese de mestrado. E, o primo, revolitando entre o computador, o telemóvel e o bem-aventurado fazedor de amigos virtuais, que de amigos nada têm, o Facebook, ora num, ora noutro, conforme as necessidades do artista. Falto eu, pois… eu estive por conta própria, devidamente vigiada por algum deles, e entre bonecos e bonecos estavam o resto dos bonecos; não sei se terá sido prenda ou castigo por ter vestido logo pela manhã o vestido de princesa… ou porque há domingos que são mesmo assim: De mau feitio. Palpita-me que a minha crónica está a ficar sem material de feitura, não estou a ver que vá acontecer uma remontada da situação, como dizem nuestros hermanitos em linguagem de futebóis, aqui na “tabanca”. Neste momento toda a gente está a tomar banho de sofá mas cada qual direccionado no seu vector próprio. Assim: A mãe e o primo estão a ver um filme qualquer no computador, usando o programa wareztuga.tv, eu estou com um o olho nos bonecos e a língua a ditar a minha vidinha ao papá que, está com aquela carinha de farto de me ouvir, e de quem quer ir atirar o canastro para cima da cama ou de outro sofá, por forma a não ter que aturar ninguém, digo eu mas, sei lá… Bem, o certo é que nem sempre aquilo que nós somos é necessariamente aquilo que nós gostaríamos de ser, como também, nem sempre aquilo que nós queremos é necessariamente aquilo que nós temos. Assim, e como já não vou, pela certa, ter mais coisas de interesse comum para contar, vou-vos fazer uma vénia de despedida e dizer-vos: Despeço-me com amizade, como dizia o Eng.º Sousa Veloso no saudoso, segundo o meu pai, programa televisivo TV Rural. Fuiiiii… tÓ mAnÉ (in Laura Solange dixit) - 2013.06.(15,16)