quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Crónicas FDS da Laura - Registo XVI


Inicio a minha crónica, algo peculiarmente, alertando-vos para o seguinte: Este fim-de-semana tem duas singularidades que o tornaram um nadinha mais acidentado e apimentado, ambas no seu sentido mais lato, que registos anteriores. A primeira, e a mais significativa e não tendo nada contra a segunda, prende-se com a chegada, do meu tio padrinho Miguel e da minha tia Bleca, este sábado, lá de Lisboa ou melhor Oeiras, de trouxa a reboque, incluindo o barco, será que é desta que vou dar uma voltinha no barco do meu padrinho?..., à Ilha de Tavira. Todos os anos, nas últimas três semanas de Junho eles arrendam uma casa, sempre a mesma, mesmo na Ilha de Tavira, ficam ilhados percebem? Para umas férias paradisíacas, onde, a pesca, a praia - quando o tempo deixa – o deleite gastronómico e o relax, estão na ordem do dia e da noite. A segunda vem dependurada ao factor tempo. Três são os dias de registo: O sábado, o domingo e a segunda-feira ferido nacional - 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, outrora o Dia de Camões, de Portugal e da Raça, epílogo este, como diz o paizinho, do antigamente, antes da Revolução dos Cravos Vermelhos ocorrida dia 25 de Abril de 1974.
Bem, feito que está o intróito, vamos ao que interessa.       
A manhã de sábado foi um pouco mais do mesmo, ou seja, como todos os outros sábados, não fora umas coisitas que tenho para vos bisbilhotar e que fui ouvindo por aqui e por ali – sou muito atenta ao mundo que me rodeia, sabem?... – e nada de interessante vos teria para relatar.
Assim, fiquei sabendo que: Um: Vou ficar em casa com a avó Ilda e a tia Vitalina, alternadamente, consoante o vagar – disponibilidade – das donzelas, uma vez que o pai e a mãe têm que ir a Tunes a um tal Professor Dr. Tarass Koval (um endireita ucraniano) para tratar do “desmontalo” das costas do papá – desde ontem que andava à rasquinha. E, ainda que, quando voltaram, sabe Deus as voltas que não deram e as que deram, também, já eram mais que horas da sineta ter tocado a rancho. Como também, que o meu pai vinha “que não podia” de “trilhadinho”. Até dava dó, acreditem. Quase não almoçou, o que não faz em nada o seu feitio, e logo se atirou para cima do sofá, assim tipo “esborrachado”, para de imediato desatar a dormir quem nem um lorpa, o que, também, não é de seu génio. Dois: Fui de rota batida para a cama, acompanhada pela mamã, numa vã tentativa de bater uma sorninha retemperadora das canseiras matinais. Ainda passei pelas brasas, digasse de passagem! Porém, alguém decidiu, obstinadamente, desatar a bater, contumazmente, na porta-janela do quarto, como se tivéssemos que ir retirar alguém do cadafalso da força ou houvesse uma sangria desatada pelo barranco abaixo ou sei lá o quê?... Por amor de Deus. Soneca ai és tão linda mas, já te foste. A porta-janela, para evitar o seu derrube extemporâneo, teve que ser franqueada a este “aqui me acudam” e, lá estavam plantadas, com raízes e tudo, a avó Ilda e a tia Vitalina, plenas de novidades ou melhor decisões, que cuspiram quase em uníssono, não fosse uma não atrapalhar a outra. Cosidas as palavras, de uma e outra, para que a chilreada fizesse algum sentido, aqui fica a manta de retalhos ou a serenata completa: A Cátia, a minha prima em segunda mão, o Tomás, o marido da Cátia e por consequência o meu primo emprestado em segunda mão e o Gustavo o filho de ambos (ele ainda é “pichotinha”) e meu primo em terceira mão, queriam ver-me. Bolas mas logo agora que eu estava cochichando é que lhes deu uma vontade destas sem qualquer tempero. Ai a vida é dura.            
Condescendendo e pensando um pouco atrevo-me a fazer as afirmações seguintes: Sei que regressaram da Ilha da Madeira, onde vivem e trabalham ou vice-versa o que é muito diferente em termos comportamentais e de vivência do dia-a-dia, mas também sei que, chegaram hoje e vão cá passar oito dias de férias. Mas onde é que está a presa, meu Deus?... Oito dias. Oito longos dias. São mais que uma mão cheia de dias e, por isso têm que ser contados com as duas mãos. Senão vejamos ou melhor experimentemos: Um, dois,…, uma mão cheia, …, sete e oito, já entrando na outra mão. Onde está então o afogadilho afinal?... Aiiiii, haja pachorra.            
A Cátia é filha do tio Orlando – o trinta cabelos, Barroá ou o Zeca Diabo (coisas desses adultos pequeninos que se fartam de inventar nomes estranhos, que eu não entendo a razão nem o porquê, pois sou pequenina grande. Eles apelidam-nas de alcunhas. Acho que ainda vou ter que aprender o que isso é!…) – da tia Ondina e também é irmã do Nelson, meu primo em segunda mão. Ai…, isto das famílias e dos laços familiares é tão complicado, sabem?...
Vou-vos contar uma coisa, um segredo. Shuiiiii… A sorte é que o meu pai não acordou, nem deu por isso. Senão a cena ia dar em circo, ai ia, ia…
Saímos de mansinho para não acordar a fera e bute para casa da avó Ilda onde os ilustres nos aguardavam “estacionados”.
Os grandes, os adultos conversaram e eu andei a laurear a pevide ou o queijo, assim vocês o queiram, pois o Gustavo, como é muito pequenino, ainda não tem muita graça brincar com ele, não belisca nem risca nesta história.
Quando regressámos o papá já estava acordado ou semi-acordado, problema que resolvi em duas palitadas, deixando-o mais que desperto: Alerta! Isto porque resolvi ou melhor apeteceu-me, furiosamente, brincar com ele, para verificar se estava de manhas e fitas ou realmente estava mesmo mal – às vezes ele é manhoso. E, nestes propósitos nos mantivemos, enquanto a mãe foi tratar dos cães por falta de vontade do papá; digo-vos que quando o meu pai não vai tratar dos cães é porque a coisa vai mal ou a mamã lhe pede para fazer o jantar.
Animais tratados. Mãe em casa e jantar por fazer. Houve que improvisar algo expedito para encher as panças. Assim, recorrendo à Bimby, a mãe começou a fazer massa de pizza, logo em subsequência: Pizza para o Jantar! Oléeeeee… Não que goste muito de pizza mas, pelo menos, é diferente.
Devagar e devagarinho. Foi assim que o pai se levantou do sofá, quando a mão gritou da cozinha: Tó, queres fazer a cobertura das pizzas?
Nesta fase do campeonato o meu pai convidou-me para o ajudar. Adoro ajudar o papá, quer na cozinha quer noutras tarefas é sempre um mundo de cor e alegria - e só o que eu não aprendo… - para além disso, hoje, ainda tive uma bela recompensa: Um bom naco de salsicha, umas fatias de salame de peito de peru e meia lata de milho cozido, hummmmm… uáuuuuu…
Trincado que foi o jantar e, apesar de não ter comido grande coisa, pudera após tamanha recompensa, a lengalenga do costume desencadeou-se. Porém, desta vez, foi o cabo dos trabalhos para cair nos braços de Morfeu ou adormecer. Ele foi: Historiazinhas, leitinho com “xicólate” – muito “xicólate”, que é assim que gosto – e também foi a paciência da mãe que foi para o caneco. Valeu, então e desta vez, o meu paizinho, que me aturou até o malfadado do “Pestana, aquele o João. Não, não, não é aquele dos Hotéis” aparecer.
Aiiiii… domingo, pois domingo…
Até que não começou muito mal mas depressa o caldo se começou a entornar. Como assim? Pois, ainda não tinham batido as nove no sino da Sé Catedral de Vale da Rosa e já o telefone, o fixo, reparem que eu não disse o telelé, “ringava”. Era a avó Aurita. Não se estava a sentir nada bem e queria que o meu pai fosse com ela ao Centro de Saúde.
Como foi a mamã a atender o tal de “fixo”, pois o meu papá estava, como de costume, na cama a preguiçar, lá foi ela a correr, bzzzzzteeeee…, até ao quarto, acordar o sornador.               
- Tó, Tó, levanta-te! Era a tua mãe, ao telefone, a dizer que precisa de ir ao Centro de Saúde. Não está a sentir-se nada bem. Vá lá homem. Despacha-te! Pode ser coisa séria.
Nem o ouvi responder. Mas foi num ápice que se levantou, arranjou e “pequenalmoçou”, até parecia que lhe tinham chegado uma acha acesa ao cu, para os menos versados em assuntos de lenha, digo, em termos velocimétricos, que foi tudo a mil à hora e… zummmmm Loulé, pois o alerta despoletado urgia no tempo.
O tempo foi passando e passando e a minha preocupação aumentando. Tanto tempo e sem saber de nada, não faz muito o meu estilo irrequieto e curioso. Ainda por cima exilada em casa com a mamã, que passava roupa a ferro, furiosamente, sem me ligar pevide que fosse. E, nesta inclemência de tempo, não houve bonecos que conseguissem travar a minha inquietação, o meu desespero.
A hora de almoço aproximava-se a passos largos quando o meu paizinho chegou com a avó Aurita a reboque. Ufa foi um alívio, finalmente tive tempo para eliminar e expurgar a minha inquietação. Estavam os dois ali e bem vivinhos, apesar da avó estar assim para o lado do mal-encarado, porém ainda assim brindou-me com um amplo e terno sorriso. Apesar de tudo, na sua cara abatida, estava estampada uma centelha mística de alegria e contentamento por me ver. Fiquei tão contente! A avó é mesmo supimpa!   
A mamã, logo que o pai e avó chegaram, arregaçou as mangas, puxou das ganas e disparou a fazer uma canjinha com umas pernas, anémicas, de frango que o meu pai trouxe da “vila”. Intui e bem que era o almoço para a avó – sou uma sabichona ou melhor uma Eco-Sabichona apesar do eco aqui ser descabido, pois nem no meu cérebro se deu qualquer reverberação que fosse digna de assim ser denominada.
Após o almoço, que nasceu tarde e a más horas, “as da vida airada” apareceram; estou a falar, como é bom de adivinhar, da avó Ilda e da tia Vitalina, as duas “passaroas”, que hoje ainda não tinham dado um arzinho da sua gracinha, resolveram arejar as asinhas por estes lados.  
Enquanto elas, as gajas velhas, falavam, o meu pai, despejou-se inteirinho no sofá, a ler. Enquanto isto, fui de rota batida, atrelada à minha mãe gritando pelos meus bonecos, porém em vão, pois quer chiasse quer não a medida tinha que ser a mesma, era ir e mais nada. E, neste confronto de vontades e gerações, lá nos fomos, ambas, arranjando e despachado para uma ida ao Fórum Algarve, apalavrada de véspera, para assistirmos a um cinema.
Terminado o make up a partida foi imediata, num abrir e fechar de olhos diria, e aqui vamos nós rolando asfalto, primeiramente, em direcção a Loulé, para “despejar” a avozinha, que já estava bem melhor encarada, graças a Deus, e depois a Faro que por sinal fica na direcção de Loulé – acho que Loulé fica em todas as direcções, pois o meu pai costuma dizer Sotavento, Barlavento e Loulé, quando fala, empolgado, do seu querido Algarve – e, entre Loulé e Faro está o cinema no Algarve Shopping.
Entrega feita e zus… cinema lá vamos nós…
Estacionámos o carro bonito no parque de estacionamento inferior, mesmo junto às escadas em caracol (sinto um certo “cagufo” ou “meduço” em subir aquelas escadas de degraus vazados e que tremem bué a cada passo). Quando rompi no patamar do rés-do-chão dei de caras com um enorme, gigantesco, ingente insuflável e, logo todo o cagaço, que as escadas possam ter provocado, se dissipou, tal e qual o vento sopra uma nuvem negra que tapa o sol e deixa um dia radiante no seu lugar. Incrível! Claro está, como água límpida da nascente, que, e não poderia deixar de ser de forma alguma, e melhor ainda, ouro sobre azul, utilização à “fartazana” e à “borlix”.
Eu quis, eu exigi ir dar uma saltadela ou melhor dizendo uma escorregadela naquela pequena grande maravilha. Azul, cor de laranja e amarelo o descomunal insuflável era todo dentes para mim, amplo era o seu sorriso e o seu poder de atracção. Constituído por uma escada de acesso à rampa da escorregadela e, estas, separadas por uma parede de bordadura, elemento afecto à segurança dos utentes. Tudo em plástico resistente e cheio de ar; deve ser por isso que lhe chamam de insuflável ou aquele que se pode encher com ar ou outro gás, sabiam?... Também tinha paredes laterais e o respectivo fundo, claro é, claro está?! Está?!...    
A rampa e os degraus vistos cá bem de baixinho eram assustadores, altos, mas atirei com os nervos para o inferno e puxei da coragem e subi, a custo, mas subi, para depois efectuar uma descida em modo de deslize a uma velocidade vertiginosa, foi incrível, e foi incrível não uma vez mas duas vezes e mais se lhes seguiriam caso tivesse tido a veleidade de me o permitirem. Simplesmente adorei!... E, não tive medo nenhum, tal como seria espectável e patente no olhar de desconfiança dos meus papás, daí toda a classe de incitamentos no sentido de me encorajarem. Pois bem, não foram precisos!  
Gerida que estava a emoção mas não digerida e já estávamos a dar sebo nos cordões perfilando-os na direcção do Jumbo onde fomos adquirir os bens primários de assistência à sessão cinematográfica: Pipocas e águas.
A subida ao andar superior onde o cinema se encontra alojado - ele vive lá, sabiam? E parece que está sempre em casa – foi efectuada pelas escadas rolantes, destas eu gosto, são uma curte! Já “esbardoirados” no piso 1, dirigimo-nos de imediato à bilheteira para adquirir os ingressos ou bilhetes e, mais um momento de emoção, mais uma surpresa, o filme que pretendíamos assistir, o Epic, era apenas e tão somente exibido em 3D, o que levantou alguma celeuma, dividindo-se as opiniões entre o ir ou não ir, não por causa do assalto ao pecúlio familiar, mas sim, pelos benditos óculos que eu iria ter que usar.
Ao fim tudo se compôs com um: Já que estamos aqui vamos experimentar pois daí não há-de advir grande mal ao mundo, que o meu pai lançou para o ar e, lá vai a boa da Laura Solange, e seus paizinhos, para a sua primeira experiência em filmes 3D; abonando a verdade devo dizer que não correu tão lindamente como seria de esperar ou não!?...                   
O Epic fala da natureza, dos destruidores e dos protectores da mesma e, em certos momentos, consegue ser bastante real e assustador e em 3D imaginem... o como senti o rabinho apertadinho. Mas, aguentei firme até ao fim com algumas escaramuças entre o quero ou não quero dar à sola daqui e o escoder da cara no peito, aconchegadinho, da mamã.
Sabem, o filme fez-me lembrar a minha estória no “Livro Viajante” e de nós, os Eco-Sabichões. People! Temos que proteger o nosso planeta e a Mãe Natureza. Temos que ensinar os nossos filhos, quando os tivermos, claro, a respeitá-la mais. Mais que nós, mais que os nossos pais e muito, muito mais que os nossos avós. Vamo-nos a isso? Cabe-nos, a nós, essa hercúlea tarefa.
O caminho para casa espreitou logo após o términos do filme e uiiiii… Caí “desmastriada” nas teias do sono ou seja soneca foi a palavra chave do meu regresso a casa – o balancé e o ruído do motor a diesel do carro são fatais. E, não fora uma real mijada, tipo Don João VI, na cama me ter despertado (chorei muito com vergonha. Eu que até já sou uma menina grande, descuidar-me daquela maneira é humilhante) teria passado pelo jantar e pelo resto da noite toda até que se fizesse manhã. Assim, fiquei que nem podia e chorei que chorei, a vergonha atingiu raias de indignação, inimagináveis, para comigo, um despautério mesmo. Bem que os meus pais podiam dizer que: Filha não tem importância, por vezes acontece, que eu estava inconsolável. Todavia a vida contínua e não é uma mijinha qualquer que faz parar o relógio.
Pijama novo, logo após a lavagem das vergonhas; digo novo com toda a propriedade da palavra, pois a minha mãe tinha-o comprado no sábado de manhã, não sei onde mas é giríssimo e o mais importante a estrear. Lavada e “empijamada” fui instalar-me, com o meu papá lindo, no sofá a ver os bonecos, uma pequena recompensa pelo desconsolo de alma que me assolou, até à chegada, pela mão da mamã, da canjinha que restou do almoço.
Comi toda “agalhofadinha” ao meu pai, estava tão, tão trilhadinha. Porém, logo que a minha mais que querida mamã se espalhou sobre o outro sofá, resolvi, imediatamente, mudar de aconchego e ir dar uns miminhos à mamã; há que distribuir equitativamente e de modo equilibrado os afectos – a gerência dos ciúmes diria mas não digo.
Maltinha, não irá tardar o ponto final à conversa, a cama que já me espreita, vai-me chamar pela certa e eu vou ceder aos seus encantos.
Beijiiiiinhosssss…
Abriu a manhã e com ela abriu também a minha pestana. Rabujei e retoicei na cama. Levantei-me. Mamãaaaaa chamei.  
Bem, parecia que ela estava mesmo ali atrás da porta. Foi um ai entre o chamar e a aparição.         
- Bom dia querida.
- Bom dia mãe.
Logo que a mãe bordeou a cama agarrei-me a ela como uma lapa e começaram os beijinhos e os abracinhos, o jogo do “tira a fralda” – ainda uso fraldinha à noite, é por causa dos descuidinhos - e a higiene matinal. Hoje não houve lugar a bonecos. O pequeno-almoço foi na mesa da rua, no pátio da cozinha. Não sabem como é agradável, no campo, apanhar o fresquinho da manhã lavado pelos primeiros raios de sol e ouvir o chilrear dos passarinhos e simultaneamente beber o meu leitinho com muito “xicólate” e a comer torradinhas com mel, como é bom. Ah! Isso é, é!...
Já o pequeno-almoço ia adiantado quando o Ioan e a Maria, que está muito grávida – sete meses; ela vai ter um menino, o Alexandru – apareceram para nos visitar. Vocês já os conhecem, ou pelo menos aqueles de vocês que conviveram comigo no ano passado, pois já os mencionei nas minhas crónicas de FDS mas, para os menos atentos, os mais esquecidos e aqueles que de facto não privaram comigo, aqui fica a informação: O Ioan e a Maria são um casal romeno, agora nosso amigo, mas que inicialmente começaram por trabalhar em nossa casa. Ela como conservadora de limpeza e ambiente e ele como um Zé faz-tudo – o Ioan é muito habilidoso – que com o andar do calendário foram estreitando os laços ao nível da confiança e da amizade. Eles são muito porreiros e eu tenho uma predilecção muito especial pela Maria, isto é, gosto muito dela.      
Enquanto o meu pai não levantou o canastro da cama e se dignou a juntar a nós, após o seu trato higiénico diário, que hoje incluiu o fazer ou desfazer da barba (isso eu denotei quando ele chegou todo cheiroso à mesa do pequeno-almoço e abocanhou um paposeco com fiambre que a mamã tinha preparado especialmente para ele), o Ioan tomou um café e a Maria comeu uma bolachinha e trocaram duas de conversa de encher ou de conveniência com a mamã. Mas isto não ficou por aqui, pois durante o decorrer do repasto do meu pai; sandes de fiambre, galão caseiro, sumo de laranja natural e café expresso da máquina da Nespresso, Um Roma, estivemos, aí sim, em amena cavaqueira sobre a Roménia, a terra do Ioan e da Maria, os usos e os costumes, a caça e a pesca (não poderia deixar de ser), os sonhos e as desilusões, enfim falou-se de quase tudo, instalados principescamente na mesa da rua, enquanto um solinho maravilhoso nos lambia e coloria a existência.
Assim como tudo começa, assim também termina. O meu pai e o Ioan foram tratar de aspectos relacionados com os negócios lá deles; coisas deles que a mim nada me importam nem concernem, por isso voltei o “sim senhor” e fui brincar com a Maria que é muito mais meiga e divertida que eles que só falam de coisas com nomes muito estranhos como recuperadores de calor, tubos spiro ou girândolas, quem é que se interessa por semelhantes aberrações?... Eu, seguramente, não!      
E, neste estrafego, o tempo foi rebolando e rebolando, e com tanto rebolar trouxe agarrada a ele a hora de almoço que, inexoravelmente e insistentemente, desatou a bater à porta, truz, truz, queria forçosamente entrar e acabou mesmo por fazê-lo, não sem antes ter ocorrido a debandada geral; cada qual para sua casa, até a avó Ilda, que nos entremeios tinha aparecido, não foi excepção. Restando, alfim, os três da vida airada: Cocó, Ralheta e Facada, ou seja eu, a mãe e o pai.
Almoçámos um lombo de porco estufado que a mãe havia preparado emmeios. Estava de piscar o olho e estalar a língua e chorar por mais.
Um simples telefonema para o meu tio padrinho e o programa da tarde ficou de imediato delineado e consistiu numa visita à Ilha de Tavira, uma visita ao meu tio padrinho Miguel e à tia Bleca, pois, e apesar, deles terem chegado no sábado à tarde, ainda não lhe tínhamos posto a vista ao alcance ou um ouvido na voz; bolas nem truz nem muz, até parece que não são família… bem em frente e sem medos.
Durante a viagem de ida passei pelas brasas, pelo que não há pormenores, só acordei quando a mamã me estava a retirar da cadeirinha de andar de carro.
Das Quatro Águas para a Ilha de Tavira temos que apanhar o “vaporetto” ou seja um barco da carreira que fede a gasóleo, contudo fico sempre extasiada com esta pequena viagem, entre sete a dez minutos, rejubilo da alegria e não é para menos pois o enquadramento paisagístico é paradisíaco.
No cais, no outro lado da margem, ordenámos às pernas que nos levassem à casa onde o tio padrinho e a tia estavam alojados. Ficam todos os anos, desde que me lembro, na mesma época, na mesma casa e pelo mesmo espaço de tempo; três semanas, na Ilha de Tavira. É original, não acham? Para não falar na diversidade de gosto.
O percurso do cais à casa é bem curto, depressa foi cumprido, entre correrias e risadas e os normais reparos à segurança por parte do pai ou da mãe consoante o grau da minha ousadia. No final da passadeira, em lajes de betão, lá estavam eles, debaixo de um “telheiro” ou melhor uns panais de sombreamento, verdes, defronte da entrada principal do chalé, escarranchados em cadeiras de braços e quase em estado de roncadeira – afinal não era para menos, no interior daquele pequeno quintal ou pátio, confinado por paredes, estava uma atmosfera abafada que se fartava – de cortar à facada.     
Feitos que foram os cumprimentos da praxe e alguma conversa miúda de ocasião (claro está que a pesca ocupou o papel principal ou fez a despesa da conversa), e eis que apareceram uns amigos de longa data do papá e do tio que, todos os anos do mundo, montam tenda quando o parque de campismo abre e só a levantam quando o mesmo encerra. Estou a falar do Rogério e da Zita (tal como a abelha da Fundação), com eles também vinha uma das suas duas filhas, a Inês, que trazia, por sua vez, a reboque as suas crias, a Catarina, que é mais ou menos da minha idade, e o Pedro que é bebé, tem apenas dois mesitos, e se chama como o meu mano velho, que tem quase dezanove anos, e é nadador salvador na Praia do Cavalo Preto em Quarteira, apesar de não ter sombra de juízo. Facto que obrigou o meu pai a estar a ralhar com ele ao telefone – deve-lhe ter entrado por um a cem e saído pelo outro a duzentos – durante uma eternidade mais uma vida, e etc, etc,…
Durante o período do desanque no mano estive a brincar com a Catarina ou melhor dizendo eu passei o tempo todo a brincar com a Catarina. Ela é um docinho! Adorei a Catarina!
Logo que terminou o eterno telefonema para o mano, o meu pai teceu meia dúzia de comentários azedos acerca do assunto e levantou ferro levando a reboque o tio Miguel para darem uma passeata e com certeza para porem a conversa em dia ou simplesmente para estarem os dois que é acontecimento raro.
Quando chegaram, trouxeram a hora de levantar arrais com eles. E, assim, se realizou, inexoravelmente, o percurso inverso mas, agora, menos encantador; o espectro do regresso retira o fascínio à beleza circundante ensombrando-a com o manto da tristeza de quem deixamos para trás. Casa, cais, barco, cais, carro, casa, assim se cumpre a inversão da história. 
Chegados a casa (desta vez a excitação não me deixou cochilar e as perguntas caíram umas atrás das outras – vocês sabem como sou curiosa) a moenga do dia-a-dia iniciou-se, ritual já mais que conhecido por vós, com excepção de um pequeno detalhe, uma pequena variante ou cambiante: O papá ofereceu-me um bombom, antes de jantar, sem dizer nada à mamã, facto inédito, e com um gesto de cumplicidade, uáuuuuu… Bem, não foi bem um bombom mas sim um m&m’s, azul, penut. Ao que eu agradeci e exclamei escancaradamente: Enganas-te a mãe, lindo menino! Claro que a “cusca” da mãe não poderia ter deixado de ouvir ou pelo menos fingir que não (afinal a conversa não era com ela) e retrucou: Filha! Não se engana a mãe nem o pai. Botei o violino no estojo e a conversa ficou por aqui não fosse azedar.
E, por aqui, também vai ficar a minha crónica que mais parece já um testamento, não sei se o Novo se o velho, pois o resto foi mais do mesmo e por vós demais que conhecido e sabido.
Um Chi-coração que amanhã é outro dia e ver-nos-emos se Deus assim o entender.    

    
tÓ mAnÉ   (in Laura Solange dixit) - 2013.06.(08,09,10)

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