segunda-feira, 24 de março de 2014

Apupos

Rolam, lentos, os automóveis da comitiva, Pretos, topo de gama. Imobilizam-se! Abrem-se e abrem portas. Delas, imponentes, saem, primeiro: Seguranças e motoristas Para só depois, verificado o perímetro, Os ilustres assomarem, Ostentando seus cínicos sorrisos Que banham seus fatos escuros Ornados de gravatas berrantes; Línguas que vomitam, mentiras (inverdades muito agora na gíria) Que os escuros fatos ocultam. Cáusticos, brilhantes e negros, os sapatos, Cospem promessas vazias, falsas, A cada passo e passo a passo. Imaculadas, as camisas, no seu preceito, Cobrem-lhes as verdades, bem escondidas, Atrás dos seus insidiosos peitos. Tudo é farsa! Contudo tudo emana respeito! E, ainda assim, e a cada momento que passa O povo, que espera, grita, assobia, pateia. Aproximam-se! A segurança aperta, contudo estreia o espaço Alguém escarra no chão o desagrado, Invocando, também, o vernáculo palavreado. O alarido aumenta, num crescente contínuo incontido. Temo pela miúda. Pois este vómito, incessante, e peçonhento Há muito ninguém tolera Há muito ninguém aguenta. Agarro-lhe a mão fortemente Puxo-a com dificuldade da multidão tumultuosa Que se comprime, que se agiganta Na fúria, no asco e no temor. Fúria das “inverdades” Asco das imprecisões Temor das indecisões. Desta mole massiva, mutante, ululante e enfurecida A menina, desesperadamente, procuro libertar Puxo, estrebucho e esbracejo, Mas não tem o como nem como, Ergo-a aos ombros! O alarido, agora ensurdecedor, cresce desmesuradamente. Oiço um estampido seco e surdo, retumbando no ar Seguido de um silêncio amargo e plúmbeo. Para logo, nas minhas costas, a multidão, inquieta, ressoar, De tal forma que, por momentos, céu e terra se fracturaram, Num só medo, num só pavor, num só pânico. E, o risco ténue, entre a paz e a guerra, dissipou-se num nada. Nada este que confundiu Deus, Diabo e o Homem, E, por um momento, Terra e Céu eclipsaram-se. Dezassete de Agosto, dezassete horas, dezassete minutos, dezassete segundos, Do ano da graça de dois mil e dezassete, o mundo fundiu, o mundo parou… Silenciou!... Tão longe de mim, não fosse tão perto, Um sussurro, ininterrupto, ouvi: Pai, pai… que barulhos foram estes?... Foram apupos, foram apupos minha filha, respondi. Silêncio… Acatou. Na sua inocência acreditou! Inapropriadamente o bem julguei fazer. Mas, de sus, ouvi, histérica de indignação, a voz surda do meu “eu”, Troar na cabeça: Trajaste-te de fato, camisa, gravata e sapatos?!... Envergonhado, encarei a gaiata, forcei o destino e, De olhos pregados no chão, baixinho, muito baixinho Deixei que a verdade soprasse de mim, dura contudo livre… É a guerra, é a guerra… minha querida filha é a guerra que vem aí. Pai! Porque mentiste?... Silêncio, novamente o silêncio, (tão pesado quanto o remorso da falta) Entre nós e o mundo em convulsão, Só nós e o silêncio, residiram. Porque te amo filha minha, porque te amo!... Não voltará a acontecer. tÓ mAnÉ Style

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