A memória do tempo muitas vezes é traiçoeira, adrede, quiçá, para testar o reconhecimento temporal das ocorrências e para lembrar ao Homem quão efémera é a sua passagem pelo seu pequeno feudo a que tão egoísta e ciosamente chama “de seu mundo”, que afinal não passa de um pequeno “click” de um comutador de luz; hoje é, amanhã já era, parafraseando Horácio in Odes, “carpe diem”. Tudo isto para dizer que um dia após outro se acaba por adscrever mais uma nota, sem a enquadrar ou situar adequadamente no tempo. Vamos viajar; saída Loulé destino Lisboa, finalidade; assistir ao concerto da Daniela Mercury no pavilhão Atlântico no Parque das Nações e, findo este, gozar um pouco da noite Lisboeta; destinatários o António, a Maria e a Rosário (ilustre irmã “cassula” do António), pernoita; Hotel Eduardo VII, no entanto, reverte-se ao suso mencionado (é a branca num LP), idas e vindas; após o concerto, cheio de ritmo e energia, para além da espectacular e sensual efígie da Daniela, envolvemo-nos no “by nigth” da ingente urbe; Bairro Alto – Palácio Chinês, 24 de Julho – Álcool Puro, King’s, etc …, acabando o resquício da noite, umas míseras horas, num “enxergão” do 6º piso do Eduardo VII.
A manhã já vai alta, perdida que foi a hora do pequeno-almoço, vimo-nos obrigados a meter qualquer coisa no “bucho” numa pastelaria, diga-se a bem da verdade, em local incerto, perdida entre o Hotel e o centro comercial Colombo, melhor que nada, afinal urgia restabelecer algumas das energias perdidas na noite anterior; um café para rematar e ala que se faz tarde.
Quando a maioria são mulheres… um homem não tem hipóteses; centro comercial Colombo, e lojas e compras e… e…, por fim o estômago impera, vencendo a vontade até do mais forte e tenaz espírito feminino. A mais que merecida hora do “break” e da “lambeta” chegou e com ela o descanso do guerreiro, ohhhhh finalmente, aleluia ou de outra forma “hallelujah”!
Sentados ao balcão de uma cervejaria de renome, que aqui me escuso de referir, entre um punhado de palavras concernentes às compras e não compras, ao quão giro é o “shopping center”, e aquela saia e a outra blusa e... eu enfadado e tonto com a parafernália de movimento verbal comercial derramado em catadupas. Decidimos por fim encomendar três imperiais, só para lavar a garganta ou como quem diz só para lavar os dentes, pois a viagem de volta já ensombrava aquele momento de recato e os “homens do boné ou os Zés da boina” não perdoam.
A inveja mata, ou melhor se a inveja matasse, não é que ao meu lado estava um fulano que pediu um prato de dobradinha e pior, mas que aroma tentador, não resisti à inveja e zás, chamei o empregado: traga-me um pires de dobradinha, fazendo o obséquio. E, assim foi, uma, duas, três garfadas, intercaladas com uma golada de chá de cevada fresco, e “catrapumba”, um objecto estranho espetado na língua, digo mais, literalmente espetada na língua; arre porra o que é isto???... de imediato vai a mão à boca, numa procura frenética do objecto nefasto, que instantaneamente é agarrado, retirado e sujeito a meticulosa observação. Espantado, perplexo deparo-me com uma enorme “unhoca” escrupulosamente cortada a corta unhas, de bordos finamente aparados; uma perfeita meia-lua, irra que nojo, exclamo. A Maria, que estava ao meu lado pergunta: o que é que foi? E a minha irmã: Então mano? Peguei cuidadosamente na unha e mostrei o motivo da minha interjeição.
Gozo e mais gozo, risadas, comentários jocosos, enfim um rol de gracejos, piadas e observações zombeteando, misturadas com alguns juízos de valor e os possíveis trajectos da famigerada unha. Já de mau humor e algo rancoroso, chamo o empregado e confronto-o com a sórdida ocorrência. Oh amigo, você sabe o que é isto? O homem olhou, voltou a olhar e nem queria acreditar, desfez-se em desculpas e foi de imediato chamar, o que penso ter sido, o gerente ou o responsável, quiçá… e as gargalhadas e comentários continuavam e continuavam.
Amável, o gerente, veio inteirar-se da situação, verificar com os seus próprios olhos: como é que é possível meu Deus! Basta cortar as unhas na cozinha, exclamo sarcástico, olhe! Pode entregar o artefacto ao cozinheiro pode ele ter falta para o próximo tempero, não vá o prato perder a sua criteriosa e afamada essência.
- Mil desculpas senhor, eu mesmo vou investigar e admoestar o responsável.
Aceitei as desculpas, de má vontade é certo, todavia que remédio, o mal estava consumado, no entanto o gozo continuava.
Pedimos uns cafés, que traguei sem entusiasmo, pois continuava azedo com a situação.
Na hora da conta, o gerente fez questão em assumir a liderança e não cobrou os cafés, fazendo ênfase que era cortesia da casa.
Pagámos, descemos ao estacionamento e seguimos viagem, durante o trajecto Lisboa-Algarve, vinha sorumbático e de mau feitio, foi aí que me ocorreu uma ideia que me fez sorrir: Quer um café de borla?... Coma uma dobradinha na cervejaria…!
tÓ mAnÉ
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