quarta-feira, 20 de julho de 2011

Desatinos


Tragam-me três colheres de pau,
Um cinzeiro, um copo de água vazio,
Um rádio, uma pomba e um rato.
E, para que possa atingir o ponto,
Há que juntar ao conjunto
A sombra de uma garça-real,
Reflectida em espelho de água fria,
(Em quietude, de preferência,
Não vá, dar-se o acaso, da reflexão se quebrar).
Adicionem o suspiro de uma casa,
Desabitada e sombria; eu insisto,
Para que se oiça a voz de Deus
No suspiro de um abrir e fechar de porta.
Misturem tudo num saco de estamenha,
Sacolejem muito bem, contudo com cuidado
Para não estragar a massa
De tão refinada travia.
Agora, para que segredo do chefe não se perca
Acresçam um punhado de minh’ alma vazia,
Um cigarro meio fumado,
Que não estraguem a cinza,
(Façam esse favor),
Pois também irá fazer falta...
Que a mistela repouse
Pelo menos uns dez minutos,
Em silêncio sepulcral, na sombra de um penhasco.
Juntem agora a cinza; resto da meia beata,
E uma pinga de aguardente de bagaço.
Cubram com uma manta de lã grossa,
O calor vai fazer falta
(Nova pausa para repouso; meia hora pela certa)
Para que levede à maneira correcta.
Levar a forno bem quente
Todavia, sem deixar passar o ponto,
Não vá a coisa queimar…
Servir em mesa redonda; atoalhada a linho
E em pratos de faiança,
Para talheres; as mãos servem bem
Canecos de barro preto para o vinho; carrascão.
Comece o banquete, então…
Empanturrem-se! Atafulhem-se! Encharquem-se! Enfrasquem-se!...
Até mais não, até a alma inchar de farta.
Repousem um instante...
E, já agora, pedindo outro favor, se não for demais, bem certo…
O que sobrar, que não vá ao balde do lixo...
Joguem aos cães, enrolada em trapos…

tÓ mAnÉ

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