segunda-feira, 15 de julho de 2013

Carta rogativa



Mulher andas a perder o teu marido e, com ele, um pai para a tua filha. De ti não tenho pena mas da minha filha, da minha menina, já outro galo canta.
Mulher, tu, simplesmente, estás surda aos meus apelos, aos meus gritos de alerta, aos meus sinais e até aos meus avisos. Fechaste-te na tua teimosia, na tua obstinação, nessa tua postura compulsiva de eu quero posso e mando, no eu é que sei. Na inflexibilidade pura e dura.
Erro após erro, insistes em errar e a acumular nos mesmos erros de sempre. Erros gastos de tanto se repetirem, erros já puídos do tempo, erros mais que falados, erros mais que discutidos, no entanto, sempre, sempre reincidentes. Erros que paulatinamente, por ablepsia tua mulher, repetes e acumulas, ao meu já tão pequeno mundo, tão pequeno querer, pois eu nem quero muito; um café pela manhã a tempo e a horas, um pouco de atenção e carinho e uma vida sexual activa, e que a cada dia que passa, me trazem o afastamento de ti e me enchem a alma de solidão, tristeza e males de ela mesma, de alma.
Eu, mulher, não queria que assim fosse, e a minha irritabilidade é a prova, incontestável, de que luto ainda por ti, é a prova, irrefutável, de que ainda te amo.
Teme! Teme, mulher, se é que isso ainda te trará ou fará alguma mossa e esse, inclemente e empedernido, coração que mais parece morto para mim e essa boca que morde as palavras antes de as cuspir em cima de mim, da minha dignidade, acusando-me, injustamente, de não te entender ou de que as coisas não se fazem sozinhas ou, como ultimamente tão subtil, arguta e capciosamente aprendeste, a fazer: Que só abro a boca para te irritar ou tirar a boa disposição, ou desses teus ouvidos que só ouvem o que querem ou lhes aprouve e pior só transmitem ao teu cérebro uma versão, riscada pelo lápis azul da censura, apesar do ano que corre ser o de 2013.
Estava eu a dizer que: Teme mulher! Sim teme! Teme o dia em que eu deixar de me importar com o que tu denominas de “minhas miudezas”. Teme! Que esse “não me importar” será o dia em que eu deixei de lutar, deixei de me importar, que desisti de ti e pus um fim à minha miséria, por não ter mais vontade, nem me fazer mais sentido, mendigar!... Mendigar por uma migalha de atenção, mendigar por uma plia de carinho, mendigar por uma foda, até; perdão pelo palavrão ilustrativo ou pela versão mais vernácula de um fazer amor ou ter sexo! Teme!...
Estou a dizer-te isto, que já foi falado e discutido em demasia, chegando mesmo à exaustão, recorrendo ao artifício da escrita, pois, talvez e só talvez – desculpa o reiterado recurso à epizenxe mas é importante que dê ênfase às palavras chave desta homilia para que lhe atribuas de uma vez por todas o devido impacto no contexto geral, não as prejudicando com variantes semânticas ou descontextualizando-as, perdendo-se assim todo o seu real valor – esses teus olhos, que lêem, transmitam a esses teus neurónios, atrofiados para a minha peroração, a mensagem, límpida, que esses teus ouvidos não tiveram a chance de censurar, pois pelo que te conheço ou me é dado a conhecer, não tens o hábito de ler em voz alta e, isso minimiza os riscos de contágio e deturpação da mensagem em dois sentidos: Um. Não vás estar a contestar com essa tua boca, incauta, nas palavras, tendenciosa e facciosa na forma contumaz e repetida de dizer. Ou, se o estás, está-lo só. Dois. Não contestando, não criando ruído de fundo, nem ecos indesejáveis, talvez o teu nervo óptico te leve a mensagem directamente ao córtex cerebral, clara, límpida, cristalina, evidente, assertiva e pragmática, livre das poeiras contidas nas palavras faladas – verborreia poluída -, dos maus entendimentos ou dos entendimentos transversais e o que é absolutamente essencial plenas de solidão e silêncios.
Falei, no início, do pai da tua filha ou de um pai para a tua filha e não do teu marido, isso porque são coisas distintas, apesar da “união” que os une e dissocia também.
O teu marido é aquele a quem tu deves dar algumas sobras, alguns restos a babuja da tua vida. O pai da tua filha é aquele que deveria, se tu o deixasses, ter um peso significativo na educação da miúda. Ser um marco, um padrão e um farol na sua vida. Uma capa protectora fina, muito fina – tal e qual o Porco Fino, dos bonecos da televisão, que consegue, milagrosamente, face à sua finura adoptar as mais diversas formas e utilidades – que lhe permita uma percepção do ser e do estar e não um abafo que lhe retire as mais ínfimas capacidades de protecção imunitária a uma sociedade agreste que ela deverá estar capacitada de enfrentar com valentia, com intrepidez, com destreza e com valores fundamentais. Pois só assim poderá sobrelevar-se e vencer.
Com isto quero-te dizer que: Não quero da minha filha uma menina ou uma mulher mimada, quero uma guerreira, uma mulher talhada para vencer tudo e todos, todavia com valores e princípios.
Como já deves ter reparado ou deverias ter reparado ela já não é mais um bebé, ela já é uma pequena grande mulher. E, se não for agora, que lhe incutamos princípios e valores, dificilmente o é, ou já não o será! E quem somos nós para lhe negarmos esse futuro, ou melhor sonegarmos esse futuro, que é dela e só dela afinal?...
Não posso mais aceitar esse teu: Ser mãe galinha e piegas ainda por cima.
Se amas, como clamas, a tua filha; a Laura Solange. Muda! Dá-lhe a oportunidade de crescer sadia de corpo e alma e livre, solta, irreverente e mesmo um tudo ou nada insolente.
Amei-te desde que te conheci. E amo-te! Não duvides!
Respeitei-te sempre desde então. E respeito-te! 
Procurei dar-te uma vida diferente, com outros horizontes, com segurança e construída em cima de uma base sólida de amor, respeito, amizade, compreensão e solidariedade. Porém, estes alicerces não foram suficientemente sólidos, ou assim me parece; irónico, pois enquanto engenheiro, essa deveria ser a minha especialidade e deveria estar capacitado para isso; ter acautelado, pois parece que, apesar de tudo, tens conseguido minar, o que não deveria ter acontecido nem era desejável, ao longo destes últimos quatro anos e tal, este meu trabalho, com apenas dois ou três agentes perniciosos: A obsessão, o desapego e a falta de uma entrega genuína e espontânea, o que, também, não deixa de ser irónico, por serem justamente, para mim, os agentes reagentes com a minha estabilidade o meu equilíbrio quer físico quer emocional. Se não fosse tão triste e drástico seria um excelente motivo para edificação de uma, hilariante, anedota.  
Nota, mulher, que não falei em liberdade apesar de ser muito importante para mim, crucial mesmo, mas aqui não se pode mexer sem muitas vezes restringir ou ferir a liberdade dos outros – a minha liberdade acaba quando começa a interferir com a dos outros. E, porque, faça-se jus à verdade, não tenho razões para grandes queixas, pois quando ela me faltou, foi a minha consciência que a negou, sonegou ou a castrou e não tu, mulher.
Eu não queria escrever um discurso, apenas meia dúzia de palavras ilustrativas da situação que ando a viver, porém, as palavras para mim são como as cerejas, o mal é eu propor-me ou predispor-me a escrever a primeira.
Vou dar por concluída esta minha missiva dizendo-te duas coisitas: Uma. Luta por mim, tal como eu tenho vindo a lutar por ti, claro, se isso ainda te comprazer. Duas. Eu não sou perfeito, longe disso, mas ainda assim, na minha ou melhor na nossa imperfeição, amo-te!

tÓ mAnÉ   Editions

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