segunda-feira, 15 de julho de 2013

Crónicas FDS da Laura – Registo IV



As promessas são como tubos de ensaio, lâminas e lamelas, que se por um infeliz acaso se deixam cair partem-se de frágeis que são, exceptuam-se aqui as feitas pelos políticos e dirigentes de futebol, que são de aço escovado e galvanizado 416. Desde tenra idade que me lembro, que oiço, o meu pai dizer isto, isto e mais, que surge sob a forma de uma pergunta, plena de dúvida e desgosto, e que é esta: Maria será que estamos a fazer bem quando educamos a nosso filha com princípios e valores num mundo que valoriza princípios antagónicos? E as lacónicas respostas, que surgem sob a forma de ecos distantes e reverberados das eternas paredes da dúvida, que mais não são que novas dúvidas e perguntas que daí advêm. Como irá ela estar preparada para uma vida para a qual não foi educada? Como reagirá ao desconforto que isso trará? Como poderá singrar na vida? et caetera…
Bem mas este não é o motivo de aqui estar, nem vem a talho de foice, apenas me lembrei de tantas e tantas vezes ouvir o meu paizinho se lamentar ou queixar-se em voz alta ou, quiçá, simplesmente não saber o que fazer de mim, destas minudências.
Na sexta-feira, depois de ser corrida, à pressa, da escolinha pela minha mãe, aí por volta das cinco e piques, eu não queria ir mas a mamã é muito matreira e acenou-me logo com o lencinho da piscina “Laura vamos à piscina e já estamos a ficar atrasadas; com voz glicodoce, macia, insinuante, soprada em surdina atrás do meu ouvidinho – matreira, sabe que não resisto!” e aí, ai patinhas para que vos quero, arrumei o estojo no saco era fim-de-semana, e aí vou eu ou melhor piscina aí vou euuuuuuuuu…
Da escolinha à piscina é um logo ali, um saltinho de pardal meio coxo ou de pardal novo. De mãos dadas por causa da estrada e bamboleando os traseiros, com um saltito aqui e uma corridinha ali (onde se podia pois a mais não me atrevi; tenho medo dos carros, principalmente dos trombas rijas, são muito grandes, fazem muito barulho e são muito maus) acabámos por chegar às Piscinas Municipais de Loulé, não sei porque lhe chamam assim pois pelo que tenho lá ouvido – o Louletano isto, o Louletano aquilo,… - parece-me que são mais do Louletano Desportos Club, mas isso digo eu que sou pequenina e não entendo destas coisas e porque tenho as minhas aulas de natação ou melhor a minha inscrição para as aulas de natação, no Louletano, mas também não é por aqui que a cobra morde.
Perdida nestas considerações nem dei por a minha mamã me vestir o fato-de-banho e já irmos no caminho do “pego” poça de água onde temos que lavar os pés que fica no meio do corredor, disse a minha mãe quando eu vim pela primeira vez, até pensei assim “mas para quê eu tomo banho todos os dias”, coisas de gente grande sabem como é?. Deixem lá, não perderam nada, não houve muita estória para contar, apenas reservo duas palavras, portei-me bem! Já no interior da instalação encontrei os meus coleguinhas de banho ou de aula e a professora Cláudia, ela é muito simpática. Eu gosto muito dela. Apenas fico um pouquito aborrecida quando ela me leva para a piscina dos meio grandes, quero eu dizer tenho um ligeiro cagaço logo no princípio mas depois passa; eu não tenho pé lá, e quando a Cláudia põe o escorrega aí então desvanece-se por completo. Mas, ainda assim, prefiro a piscina dos pequeninos, aquela que tem os golfinhos. Pronto chegou a altura que tive que me calar, eram três contra mim a mandarem-me calar e estar quieta; a mãe, a Cristina e a Cláudia, claro que tive que claudicar! Fechar a boca para não entrar a água, uma vez que lá não há moscas, pelo menos eu nunca as vi, pois o passo para a dança seguinte chamasse de natação e aí boca fechada e o resto tudo mexe…
Depois de aula terminada, sem grandes reclamações por parte das partes, eis que começa o pós-aula que é, sem margens para dúvidas, a parte de que mais gosto, a componente lúdica da coisa, o caos. É só esgazear por ali, zaranzando aqui e acolá, surda e muda, como convém, e com vista grossa, também. É a mamã a chamar e eu a fugir, e mais um mergulho e mais um salto e mais uma queda fora de água e mais uma valente nódoa negra nos joelhos, ossos do ofício; escapar, in extremis, às garras da minha mãe. A saga começa…
Oh Laura, amor anda cá, e eu surda! Olha, querida, os meninos já vêm aí, e eu vista grossa! Ai, ai a menina, responde-me Laura, e eu muda!... pelo menos meia horinha ninguém me tira, era o que mais faltava! Depois, bem depois o tom começa a elevar-se e eu começo aos poucos a ouvir, a ver melhor e as palavrinhas a surgir, tímidas, uma a uma primeiramente, até a fluição plena de um “só mais uma mãe, última!”.  
 - Okey, só mais uma! mas olha é a última (às vezes não é, outras porém sim, depende se a mãe se distrai com duas palavras com a amiga Cristina).
Embrulhada na toalha, qual morcela farinheira, lá vou eu para o balneário e mais banho, e mais brincadeira, e pulo e grito e corro que nem uma louca, até deixar a minha mãe encharcada e meio atarantada, assim tipo aranha em carrossel. Neutralizada que fui pela mãezinha, começou o processo do veste-despe umas vezes mais dolorosas que outras. Hoje, particularmente, foi fácil, resolvi facilitar, não sou boa menina, não sou? Mas, outras são, aquelas, em que a coisa fica agreste e eu farto-me de escoicinhar, irreverência de criança, ninguém nos percebe. Nessas vezes, que são poucas, pois ainda poucas foram as aulas, oiço sempre a minha mãe dizer: é por essas e por outras (essas e outras, referem-se ao banho completo que dei ao meu pai, que veio comigo, incauto, armado em dândi, vestido com calça de ganga, arregaçada até ao joelho, e Tshirt. Ele não teve culpa pois foi engajado à última hora, mas eu poderia lá ter perdido a ocasião, foi tudo à tripa forra, mas isso são outras estórias) que o teu pai não quer vir contigo. Tu portas-te mal, mal não péssimo e, aí, eu fico um “ratito” triste e acalmo-me, para começar nova batalha no secador do cabelo. Eu não gosto do secador do cabelo e pronto!
Daqui em diante é a costumeira cega-rega de sempre da qual vocês já estão carecas de ouvir. Logo ponto final parágrafo na sexta-feira. Até amanhã, beijinhos!...
Sábado, dia antes de domingo e após a sexta-feira, e só por isso veio-me à memória uma canção que anda agora por aí em voga e que gosto muito de cantar o refrão “… é sexta-feira, iééeee, trabalhei a semana inteira, iééeee e não tenho um tostão, iééeee,…”, mas como não é bem sexta-feira, sigamos para o que convém, bom, bom, bom…
Outra vez, outra vez, outra vez começa a ser recorrente: o meu pai levantou-se e foi para as suas pinturas, começo a ficar com a ideia de que já gosta mais das pinturas do que de mim, aiiiii que má que estou a ser, Laura vira para lá o pincel… pensa em outra coisa qualquer, como por exemplo na limeira (árvore que dá as limas, acho que lhe posso chamar assim) que o Syd destruiu. O Syd é um brutamontes. Era tão linda a minha limeira, tão verdinha.
Comprámo-la no “Mercadinho de Querença” no adro da Igreja, vendem lá muitas coisas fixes para além de plantas; legumes, fruta da época, doçaria e artesanato, a minha mãe é que me disse e, diz que são coisa lá da terrinha. Olhem meninos, se ainda não foram vão. Peçam aos vossos papás. Sabem, gostei muito dumas vacas ou touros, não reparei nisso, enormes, feitas de um material estranho e todas sarapintadas e a boa notícia é: se os vossos papás não se importarem eles lá não dizem nada, assim podemos brincar com elas sem restrições ou à vontade, mas atenção que à vontade não é à vontadinha, isto está sempre o meu papá a dizer-me, porque avontadinha dá direito a uma quedas jeitosas da garupa do quadrúpede ungulado e o chão é duro mesmo, acreditem pois esperimentei e só não chorei porque poderia dar azo ao términos da brincadeira.       
Na manhã de sábado fui à praça ou ao mercado com a mamã, tínhamos as compras todas para fazer. Sem o meu papá não é a mesma coisa, com ele é sempre mais divertido, passa a vida a regatear os preços parece que é cigano ou marroquino, diz a mãe (ele é… mas claro, é um tagarela, acho eu!).
Depois de mãe carregada até às orelhas, nem sei como ela pode. A minha mamã é muito forte! Dirigimo-nos a passos largos, mas parando de quando em vez nas montras de caminho, com a desculpa que precisava de descansar ou que os sacos lhe magoavam as mãos, apesar de eu achar que são desculpas esfarrapadas, quer ver as novidades é o que é! Para casa da avó Aurita, vamos almoçar por lá.
Em casa da avó Aurita descarregámos a burrita. É bom que a minha mãe não me oiça ou melhor que não me leia, pois dava-me a burrita debaixo da cueca!... como diz o pai a cueca não tem culpa (coisas de homens, não?)!
O almoço, fiquei agora a saber, vai ser especial, quer pela ementa quer pelas presenças, que por aqui se divulgam entre linhas ou sopradas de divisória em divisória. Vou passar a adiantar as coisas pois as presenças estão mais que atrasadas. O meu pai que é presença, às 13:40 horas, está ausência! o meu tio e padrinho Miguel e a tia Bleca, que são presenças, estas especiais, não estão presentes, mas estes têm desculpa pois estiveram a manhã todinha, de acordo com a avozinha, a arrumar os “trabecos” e a transportá-los da Ilha de Tavira para as Quatro Águas, as férias já foram, bem como aparelhar, tirar da água e atrelar o barco à viatura, o que não deve deixar de ser uma “cansadeira”. E enquanto os gazeteiros não aparecem vou levantar um pouco o véu da ementa ou cardápio, levanto mas é todo logo: feijão com massa à antiga, acompanhado por carne de porco, chouriça, toucinho da papada, orelheira de cevado, morcela e carne de vaca, previamente cozidos com o feijão, que depois a minha avó separa numa terrina para a sopa de feijão com massa em si e numa travessa de vidro para as carnes, separadas criteriosamente por animal e parte deste.  
O meu pai foi o primeiro a chegar, pudera vinha de muito mais perto e não tinha que trazer um barco pendurado no carro, assim não é fineza nenhuma. De qualquer forma assim que chegou começou logo a dar ordens para aqui e para ali parecia um barão num castelo, como aqueles que aparecem nos meus livrinhos de contar histórias, ou um general num quartel ordenando a maçaricagem para a revista de fim de tarde. Perguntou logo, à minha avó pelo Miguel e pela Bleca, e depois de ouvir a mesma história do que eu ouvi, pegou no telemóvel e ligou para o mano, pois por incrível que possa parecer o meu tio Miguel é irmão do meu pai, vou-vos dizer só quem os conhece é que acredita, são o cajado e a feira de Castro.
No meio deste reboliço ainda consegui ouvir estas coisas que o meu pai disse, andava de um lado para o outro, sala fora, sala dentro, que mais parecia um lobo enjaulado.
- Ainda não saíram de Tavira a esta hora?
- (Resposta do meu tio, que eu não consigo ouvir).
- Quer dizer que vai demorar?
- (Mais uma ausência de fonemas). 
- Nós vamos almoçar senão faz-se muito tarde.
- (Outro interlúdio surdo ou interjeição de silêncio).
- Tchau, não se demorem.
E assim, após o austero tchau, foi almoço para a mesa e começou o rapa tacho. Hummmm estava uma delícia, comi dois discos ou melhor dizendo serviram-me duas vezes, isto porque pedi, senão não sei, não sei…
Emmeios, chegaram o padrinho e a tia, que depois de cumprimentarem, eu fugi logo! tenho sempre muita vergonha e um certo receio do meu tio, ele é muito grande e tem a voz muito grossa, mais grossa que a do meu pai, e chama-me de berganhoto, não sei o que é mas não me soa nada bem, e às vezes, vejam só o papalvo, dizia-me que se não me portasse bem que me dava uma bofetada que eu dava duas voltas à roda ou à volta do elástico das cuecas. Agora já percebo, pois uso cuenquinhas, mas quando usava fraldinha não me cabia bem na moleirinha, não fazia sentido, percebem?... As cuecas não faziam nada ali. 
Enfim, terminou a paparoca, sim porque chegaram, cumprimentaram e comeram, isto é que foi chegar, ver e vencer, no fim juntaram-lhe um cafezito e despediram-se. Estavam cheios de pressa, o que é compreensível, era tardíssimo, para lá, e muito, das 16:30 horas e ainda tinham que ir para Oeiras e, lá chegados, desarrumar e arrumar de novo as quinquilharias.
Como chegaram, partiram, sem mais delongas, apenas os meus papás foram para baixo com eles, o meu pai queria que o tio visse uma coisa no carro dele, que é igual ao do tio, só que mais maneirinho. Não sei o que foi o papá não me disse.
Fiquei em casa com a avozinha a ver os meus “mnecos”, prefiro, na rua está um calor de fazer cair asa a passarinho.
O papá e a mamã devem ter ido ao café beber café, eles vão sempre, o meu pai não gosta de café em casa, e daí devem ter ido ao supermercado, também vão sempre.
Quando voltaram eu já tinha acordado, por certo não era cedo, é que “mnecos” mais sofá da avozinha, é tiro e queda; soneca certa.
Arrumámos a trouxa e casa. Aí o meu pai foi dormir para o sofá, fiz-lhe companhia, e a minha mãe foi acabar de plantar o prado no quintal, agora anda entretida com esta tarefa.
E assim se foi o sábado. Até amanhã meninos…
Bolas! No domingo enchi o papinho de dormir, dormi até perto das 9:00 horas o que foi mais ou menos “Guinness Record”, palavras da minha mãe, sem tirar nem pôr. O meu pai foi mais radical e respondeu à mãe: milagre é o que é, qual record qual carapuça.
Dizem cada coisa de mim, devem pensar que eu não oiço.
Mas deixando-me de melindres que ainda não tenho idade para essas coisas, a minha infantilidade não o permite, e isso são coisas de adultos.
De manhã fiquei em casa ou melhor ficámos eu e a mamã, entendimento do meu pai, e como retaliação à falta de agilidade de movimentos de limpeza e da muda de farpela, quer minha quer dada mamã, que ainda não tínhamos deixado a fase do pijama.
A coisa decorreu nos seguintes moldes: o pai levantou-se, lavou-se, tomou o pequeno-almoço, vestiu-se, tratou dos cães, e nos emmeios, ia perguntando à mamã, como quem na quer a coisa, não queres ir lá em baixio beber café e, no meio de olha que estou quase despachado, e com comentários, entre a afirmação e a pergunta, do género “não te vestes!?” o tempo foi passando sem que a mãe lhe ligasse um caracol, pois o meu pai nunca sai sem levar os berloques. Então de sus, que não o foi bem ou melhor logo que terminou as tarefas que se entendeu cumprir, agarrou no livro que anda a ler, é cá um “catramolho”, quase não posso com ele, e disse: vejo que não queres ir beber café, então vou eu. Abriu a porta e saiu. Ena pá nunca sai, ao fim-de-semana, nestes termos, ficámos basbaques! E assim foi o meu pai beber o seu café “só” e ler o seu livro “só” e nós mamámos em casa para aprendermos a consertar e agilizar movimentos de despacho ou “espavilho” matinal.
Quando voltou, passado um intervalo considerável, aliás mais que considerável, de tempo, não vinha só, tal como foi; só para o café, só para o livro e só sem nós. Para meu espanto, com ele vinha a avó Aurita, estranho pensei eu, não eram horas da avó nos vir visitar, mas pronto a manhã já tinha começado estranha, era mais um impulso estranho a juntar à corrente de geração do dia ou melhor da manhã. O certo é que a avó está cá e isso é o que realmente conta. E, também, de momento, e porque estou armada em “cusca” atrás da janela, não vou ter acesso a qualquer tipo de informação, não vai ser por muito tempo não! Logo que a avó entre vou-lhe perguntar e fica este mistério mais que misterioso resolvido, ó laricas que sim!
Olhem mas que grande mistério, ahahahah… o meu paizinho convidou a mãezinha dele, minha avozinha para almoçar connosco. Bruma levantada e começou a brincadeira, agora incluindo a minha avozinha. Gosto muito da minha avozinha, ela tem muita paciência e jeitinho para brincar comigo.
Como vos disse a avó vem almoçar connosco e sabem o que vai ser o almoço peixinho (douradinhas e sargotes), apanhado pelo pai na Ilha de Tavira, guisado com cebolas, tomates, pimentos e batatas às rodelas, feito em lume brando, ah e leva louro, um fio de azeite, água e vinho branco, faz um caldinho maravilhoso. Querem aprender como se faz? É que eu estive a ajudar a mamã e aprendi tudo, é bué fácil. Então aqui vai. Primeiro a minha mãe, lavou o peixe e cortou às postas, atenção o peixe já estava arranjado, o meu pai trás sempre o peixe arranjado da pesca, diz que é mais fácil e faz muito menos porcaria e a mãe agradece, obrigado não tem que arranjá-lo e ela bem que detesta fazê-lo, depois num tacho fundo (como aqueles que os políticos têm e arranjam para os amigos) deitou o azeite, uma folha de louro, tomates, cor de rosa e frisados, são muito mais docinhos e não têm acidez quase nenhuma, às rodelas, cebola às rodelas e gomos, não muito grandes, de pimento verde e vermelho, e batatas também às rodelas, não muito finas, tudo isto em camadas distintas, em cima destas camadas colocou o peixe, previamente salgado, seguidamente cobriu-o com novos estratos de cebola, tomate, pimentos, batatas, mais uma folha de louro e duas ou três baguinhas de pimenta da Jamaica, aqui não vi muito bem, e voltou a regar com mais um fio de azeite, adicionando posteriormente, em quantidades iguais, água e vinho branco até cobrir o conteúdo do tacho. Agora vem o segredo: levou ao lume até levantar fervura, tapou e pôs o lume no mínimo e deixou que tudo ficasse bem cozidinho neste lume assim brandinho, e já está, a mamã não rectificou o tempero mas quem quiser… esteja à vontade.
O almoço estava mesmo uma delícia, hummmmm, gostei que gostei. O meu pai até abriu uma garrafa de vinho tinto; só os adultos é que tiveram direito, mas eu estou-me a marimbar! Eu acho que não gosto de vinho, eu gosto mesmo é de água fresquinha…     
Após o sucesso do almoço, e repostas as condições iniciais de mesa e cozinha, incluindo, como é bom de ver, o chão da sala e da cozinha, a mamã e a avó não facilitam, preparámo-nos para uma incursão à cidade de Loulé; como eles dizem Loulé inspira, o meu pai diz sempre que não sabe bem o que é que Loulé inspira, mas que tem a certeza de que, coisa boa não é, isso não, não é!…
Cidade, ai olé, ai olé, lá fomos nós ao som de música hip-hop ou música de génese urbana ou “urbanoide". No caminho entre a minha casa e o miolo desta sugeris urbe, não foço a mínima onde, o meu pai parou. Eu sei para quê, não me enganam mais, o celebérrimo e famoso cafezinho, não podem passar sem ele e, sabem, que eu também já vou gostando ou visto de outro ângulo, já gosto também. Desta vez também quis ir, mas arrependi-me de imediato, uma tasca energúmena e nojenta, daquelas de cuspir no chão, mas que lugar repugnante, até a mamã disse que não queria café ali, pois de tão purulento, pútrido e infecto o lugar, ainda se sujeitava a ser contaminada por alguma doença má agarrada ao bordo da chávena ou noutro local qualquer. O meu pai esteve-se nas tintas e bumba lá vai alho, café dentro; estômago reconfortado e reposto o nível de cafeína, pagou e andou. E, não lhe faltou o tempo, para dizer à mamã: deixa-te de miudezas e pruridos.
Devidamente acomodados no carro “bonito” seguimos viagem, sem mais truz nem muge. Direitinhos e de rota batida apontámos armas para a casa do primo André, que aguardava, furiosamente, até parece, por nós ou pela nossa chegada (adivinho que estaria estirado sobre o sofá, enfadado de morte, olhando o vazio da sua consciência espelhado no ecrã da televisão ou do plasma ou ainda no monitor do PC). Há algum tempo que não o via, está com um verdadeiro físico de jogador de bisca ou de manipulador compulsivo de computadores, de tão magro, de tão esquálido, de tão alto e de mãos e dedos tão esguios.
Já vos falei do meu primo André? Não tem muito que falar, é como os outros primos ou irmãos adolescentes todos: Nós gostamos sempre muito deles e eles pouco de nós… ou assim mostram que seja ou assim nós o pensamos; estão na fase do armário, na deles, não se pode exigir muito, afinal vivem em permanente sofrimento de si.                 
Carregada que foi a carga, poderia ter sido efectuada à pá ou à forquilha que tanto lhe teria feito ou se lhe teria dado. Sim! Pois até para entrar no carro a má vontade foi patente e notória, mais que muita, parecia que carregava o peso das virtudes do mundo às costas e digo virtudes e não pecados porque o moçoilo está muito magrinho para semelhante fardo, assim sempre fica bem mais aliviado ou não tanto sobrecarregado; exigências dos pecados que se desmerecem às virtudes, o destino aguardava e os compromissos também.
O caminho foi o de casa, foi curto, e era lá que se iriam desenrolar os acontecimentos e a acção dos próximos capítulos das novelas da tarde e da noite.
Passo a explicar:
Os meus pais estavam à espera de uns amigos, o Ioan e a Maria, eles são romenos e estavam de malas feitas para a Roménia, vão lá passar as férias, e vieram trazer uns presentinhos para o papá e para a mamã. A Maria trouxe uma pizza ainda quentinha; a mamã tinha-lhe telefonado a pedir a receita da massa da pizza, ela faz uma pizza excelente, e o Ioan uma garrafa pequenita de aguardente romena, com um escadote de madeira lá dentro, nem faço ideia como o meteram lá, o gargalo da garrafa é tão estreitinho, se calhar cresceu assim mesmo lá dentro, bastou pôr uma sementinha. O Ioan e a Maria convidaram-nos para irmos passar uns dias com eles na Roménia, bastava pagar as passagens que o resto eles providenciavam, o meu pai ficou de pensar no assunto e depois telefonar-lhes. Será que eu quero ir à Roménia? Também vou pensar nisso.
O Ioan e a Maria não ficaram para jantar. Eu gosto muito deles mas na verdade quase não os percebo. Eles são os donos do irmão mais novo do Mr. Goya o Mr. Dali, foi o meu pai que lhes ofereceu. Estou a falar de cães saltitões e com a mania das bolas, tinham percebido? Eu também achei que sim!...    
Pouco tempo depois chegaram, pois também estavam eram esperados, a tia Marinela, o tio Teo e a prima Daniela (estes tios e prima são daqueles emprestados, não o são mas são como se fossem, eu gosto muito deles, principalmente da tia Marinela - ela brinca muito comigo e traz-me sempre prendinhas lindas; obrigada tia! do tio Teo também, apesar de que com ele, a principio jogar sempre à defesa, do género baixar a bola que o guarda-redes é anão, mas depois passa-me e a coisa vai, a prima Daniela é mais ou menos como a conversa sobre os primos, ela não tem grande empatia por crianças, feitios… cada um é como cada qual e ninguém é como evidentemente).
Agora começou a acção propriamente dita. A confecção do lanche ajantarado. Receita de pizza, em cima da bancada. Fornos, a aquecer. Bimbi (aquela panela milagrosa que faz tudo mas afinal até não faz, e que custa uma fortuna e que não há mulher que se preze desse nome que não queira uma… e que lhe dá amoques e remoques), que padeceu, o zingarelho ou o gingamocho, de um erro do tipo R52 ou parecido o que para o caso se revela irrelevante, quando se tentava confeccionar um gelado de morango o que deixou a mamã quase à beira de um ataque ne nervos, e ingredientes preparados e vamos lá a fazer uma “pizzada” daquelas à nova portuguesa ou o mesmo ou melhor será dizer à velha italiana.
Estava ansiosa, literalmente, para pôr a mão na massa e assim foi. Na massa, na farinha, nos ingredientes… olhem foi um sucesso tal que a mamã me disse: filha estás linda!...  
Entretanto, e com tanta agitação, o meu olhinho começou a ficar pequenino. Aí pedi à minha avó para pôr os “mnecos” e gritei à minha mãe, onde estão “os lenços que chupam”? e, semi-deitada no sofá, claro apaguei a vela, só acordei no final dos “fuebóis”, ainda assim com uma recaída ou um prolongamento de mais meia hora.
Em suma e já fazendo minhas as palavras da minha mãe: “era tanta pizza que a tia Vitalina e a Avó Ilda, que não quiseram ficar para jantar, é sempre assim, levaram umas fatias para jantar em suas casas” e que enquanto eu dormia no sofá o meu pai e o tio Teo viam os “futebóis” e até beberam vinho tinto e tudo e ficaram muito contentes ou com os futebóis ou com o vinho ou com os dois, sei lá não percebi bem…
Depois dos “tios e prima” se irem embora ainda ouve tempo para brincar ao “gali-gali-gali…” com o meu menino pai… não sem primeiro ter que lhe ensinar correctamente as regras do jogo e lhe chamar à atenção que eu era a sua filha e existia, dizendo-lhe: pai, pai és um chato!... é assim, não percebes, estás muito ocupado, não são horas de caneta, são horas de brincar, e recomendar à minha mãe o seguinte, um mero conselho de quem é experiente no assunto: Xau mãe… mãe porta-te bem com a avó não faças birra!...
Depois “vamos fazer o que já foi feito…”, isto é, as tarefas que, todos os dias, são obrigatórias nesta casa. Bolas até parece que Salazar o deixou escrito.
Ah! no meio de tanta pizza acabei por jantar arroz de salsichas é que não me apetecia…
Beijinhos desta vossa amiga e coleguinha de brincadeira.

tÓ mAnÉ  Editions (in Laura Solange dixit) - 2012.[(06.29 e 30) e .07.01]

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