O Largo da Igreja
Matriz, na sua forma adâmica era constituído pelo terreiro ou largo da Igreja
de São Clemente, adjunto ao limítrofe antigo cemitério da velha “Lauroé”, hoje
ecumenicamente designada por Loulé, mutilada na sua génese através dos tempos
por variegadas declinações latinas, quer por via popular ou erudita, quiçá;
senão vejamos: reza a lenda que D. Fernando I de Castela cognominado o Grande, nas suas incursões pelo
AL-FAGNAR, na companhia dos seus cabos de guerra, certo dia ao se acercarem de
uma alcáçova moura, estes “travando-se de razões” quanto à natureza de uma
certa e determinada árvore que encimava a muralha da mesma, retrucou: “Laurus ést”, o mote para o nome estava
dado e a partir de então começaram as várias mutações ou transmutações; Laurus é, Lauroé, Laulé e por fim Loulé, assim de loureiro que era a Loulé
passou.
Segundo os anais da
estória, esta era uma área “tampão”, quer em termos militares, civis, sociais,
comerciais e de distribuição do tráfego pedonal e de tracção animal, pois
localizava-se num dos principais acessos à vila; porta sul, quando a guarda de
armas franqueava a então denominada Porta de Faro, que rasgava a muralha em
arco românico, ainda hoje patente, todavia “entaipado” na fachada norte da
Ermida de Nossa Senhora do Pilar que foi construída a posteriori, tendo-se à
altura rasgado novo arco atípico na muralha a poente do anterior e que ainda
hoje cumpre funções de acesso ao, por contumácia, ainda designado Largo da
Matriz. Até ao século XVI, este conjunto constituído por o Largo da Igreja
Matriz e o Largo do Anjo, foi indubitavelmente, em termos de estratégia
urbanística, o primacial centro irradiador e de penetração para e do interior
da histórica e velha urbe, cujas origens remontam aos dias antes da luz de
Cristo “A vila já existia antes de Cristo
algumas centenas de anos, como atestam velhos alfarrábios” in Quadros de Loulé Antigo – A Alma de
Loulé em Livro – (pág. 16) de Pedro de Freitas. Deste conjunto (Largos da Matriz e do Anjo), divergiam
uma panóplia de vias que transpunham a vila nas várias direcções de uma forma,
que remotamente se poderia classificar de tentacular; Rua Martim Farto, Rua da
Cadeia, Rua da Matriz, Travessa dos Anjos e Calçada dos Sapateiros, e que
forneciam a necessária “irrigação”; sistema de vasos sanguíneos transmissores
do fluxo vital, aos mais dispares equipamentos (sociais, comerciais e
industriais) e espaços públicos, da urbe, Alcaidaria, edifício da Vereação,
Cadeia, Portas do Castelo, etcaetera.
Hoje, e assim, de
estória em estória o velho Largo da Matriz transmudou o seu tonitruante nome e
as suas funções primevas. Foi cindido, primeiramente, no Largo Batalhão dos
Sapadores do Caminho de Ferro e Largo do Anjo, no dia 1º de Maio de 1937,
aquando da visita, para realização da Festa Anual de Confraternização, relativa
à comemoração do 19º aniversário do seu regresso a terras pátrias e ao
sacrossanto seio familiar, às insignes terras louletanas dos antigos
combatentes da Primeira Grande Guerra (1914 - 1918) “Batalhão dos Sapadores do
Caminho de Ferro”, que tinham como gnoma “Sempre
Fixe” e seu comandante General Raul Esteves, expedicionário a França em
1917, cujo grande impulsionador foi o também antigo combatente, soldado e
clarim do Batalhão o Sr. Pedro de Freitas, nosso ilustre conterrâneo, que
justiça lhe seja feita, moveu o Céu e a Terra, contrariando todas as
contrariedades, passe a redundância, para que na suso referida data, que por
ironia do destino ou força da casualidade coincidiu, nesse Ano da Graça, com a
realização, anual, da Festa Grande da Padroeira da Vila Nossa Senhora da
Piedade, outrossim conhecida por Mãe Soberana, com pompa e circunstância,
fanfarra, discurso de ocasião, de oportunidade e de conveniência, de índole
social e político; arrebatador, enfadonho, acendrado e circunstancial, entre
vivas e cheiro a naftalina descerra-se a placa comemorativa da efeméride, onde
se sepultava em campa rasa o Largo da Matriz e como Fénix renascia das suas
cinzas o hodierno Largo Batalhão dos Sapadores do Caminho de Ferro, onde se
podiam (e podem) ler as seguintes palavras:
LARGO
BATALHÃO SAPADORES DO
CAMINHO DE FERRO
DISTINGUIU-SE NA GRANDE
GUERRA
EM FRANÇA, PRESTIGIANDO
O PAÍS
CONDECORADO COM A TORRE
E ESPADA
E CITADO NOBREMENTE
PELAS AUTORIDADES
INGLEZAS E FRANCEZAS
VISITOU ESTA VILA EM
1-5-1938
Sujeito às marés
politicas, que vão e vêm e ademais, inverosímeis, impulsos e arrufos de ordem
social e ímpeto individual, o vetusto Largo da Matriz alvo da impiedade dos
Homens e dos tempos, lambendo as suas feridas mais ligeiras e aplicando
esparadrapos nas mais profundas, retirou-se (no meio de tanta e sumptuosa
pompa, solidariedade e honradez) discretamente e em estado de ataraxia, dando
lugar ao novo e exuberante inquilino, sabendo, no entanto, no mais profundo, no
mais intimo, no âmago e recôndito lugar da sua alma que o seu povo, ufano e
concho, jamais o lograria olvidar; o puro atavismo venceria, e que o tempo faz
justiça ao tempo, ainda que o Homem esqueça que ambas as premissas são pilares
basilares das leis universais; ”Quem
puder dominar os temores da morte, sairá do seio da terra e terá direito a ser
iniciado nos grandes mistérios.”.
Assim, o início do seu
destino foi traçado; pungente, o “coup de
grace” foi desferido com a visita a Loulé, em 18 de Dezembro de 1937, da
Comissão Executiva da Festa Anual de Festas dos antigos combatentes do Batalhão
dos Sapadores do Caminho de Ferro e a reunião nos Passos do Concelho, mui
dignamente presidido por Sr. José da Costa Guerreiro. O ponto sem retorno, o
momento em que a história passou à estória; “consummatum est”, ocorreu no 20 de Abril de 1938 quando a Exma.
Câmara deliberou, sem qualquer renitência, obliterar o Largo da Matriz, em
prol, conforme comunicado à população em 28 de Abril de 1938, cita-se: “…, de forma que das manifestações produzidas
resulte uma grande propaganda do Concelho, por todo o País.”
Mudam os tempos, mudam
os Homens e muda a vontade; o mundo parece que cresce quando no fundo é o Homem
que o inverte e/ou subverte: O ínclito inquilino a 16 de Junho de 1938, foi
decepado na sua toponímica; perdeu o verde da sua existência, o Jardim do Largo
do Batalhão Sapadores do Caminho de Ferro (antigo cemitério), passou a ser
denominado Jardim dos Amuados, novamente por deliberação camarária “dura lex, sed lex”; niilificação? não,
tudo ficou no seu lugar! compulsiva vontade de mudança, inerente ao ser humano
que por “arcanae obices” a julga
intemporal, todavia na sua precariedade e transitoriedade, flutua ao sabor do
tempo, de quem rege e à falência do seu reinado; rei morto rei posto diz o povo
e o povo é sábio, porém, e infelizmente, na sua sabedoria não é rei é grei.
A 16 de Junho de 1938,
por deliberação camarária foi criado o Jardim dos Amuados (diz a estória que o
nome se deve à disposição espacial dos bancos do jardim – costas com costas)
que renasceu do malogrado Jardim do Largo do Batalhão Sapadores do Caminho de
Ferro, como suso referido, do alto destas
muralhas, a poente expostas, gerações de louletanos, politicaram, socializaram,
namoraram e entrementes aproveitando o emmeio contemplavam o pôr do sol, que os
agraciava de matizes deslumbrantes na sua policromia e variância. Neste caso o
nome não faz jus à estória, que não quando algum(a) indígena, por motivos
inconfessáveis, ia prender a “burrinha” ao jardim.
O percurso deste Jardim
não pode ser dissociada da história do Largo da Igreja Matriz de São Clemente,
mais precisamente ao terreiro/adro da parte correspondente ao antigo cemitério;
senão vejamos: em 20 de Fevereiro de 1878 a Exma. Câmara deliberou o seguinte, sic “Limpeza
do Largo da Matriz, compreendendo o cemitério velho e terraplanagem do mesmo.”,
a 20 de Junho de 1888, nova deliberação camarária exarava “A Câmara deliberou fazer um muro de 1 m de altura à frente do terreno que fora
ocupado pelo cemitério velho, no terreiro em frente à Igreja Matriz, e colocar
nele uma grade de ferro e portão a fim de fechar aquele espaço destinado a
jardim.” e por fim em 29 de Janeiro de 1890 foi deliberada “Arborização da parte do largo ocupado pelo
antigo cemitério.”
Actualmente o Jardim dos
Amuados sofreu sopro dos ares do tempo a da modernidade, no entanto, e apesar
de ser um miradouro privilegiado sobre a cidade, abarcando e abraçando Loulé
quase de sul a norte, na vertente poente, encontra-se subaproveitado e
desadequado, pese embora as vãs tentativas de remodelações ocorridas.
O Largo do Anjo era
terreiro que constituía parte do adro lateral da Igreja Matriz de São Clemente
e que se assumia como um espaço estratégico entre a Igreja Matriz e a Porta de
Faro. Vai de lá senão quando “mutantis
mutatis” o Largo do Anjo (ecos ancestrais, muito ténues, reverberam no ar,
trazendo-nos um ligeiro arrepiar de pele como que provocado por uma suave brisa
outonal, são ecos muito distantes, quase inaudíveis, falam-nos dos infantes
e/ou anjinhos, eufemismo muitas vezes usado quando o ultimo estertor saía da
boca de uma criança de tenra idade; cemitério de anjos e/ou crianças) “puff”
foi um ar que lhe deu ou quiçá uma falta de ar, finou-se para nascer o Largo
Professor Cabrita da Silva. João Cabrita da Silva, de sua graça, foi professor
do ensino primário, instruiu os louletanos durante quase cinco décadas. Veio a
falecer em Lisboa em 05 de Maio de 1936. Postumamente a Câmara Municipal de
Loulé, em apreço ao seu trabalho e dedicação, prestou-lhe homenagem pública
através da toponímia e com a criação de um prémio escolar com o seu nome.
Hoje, apesar da
toponímica existente: Largo Batalhão dos Sapadores do Caminho de Ferro, Jardim
dos Amuados e Largo Professor Cabrita da Silva (que se localizam centralmente
relativamente à malha da velha urbe na freguesia de São Clemente; Santo que lhe
é padroeiro, local onde convergem e/ou divergem as seguintes artérias: Rua da
Cadeia ulterior Rua Almeida Garrett, Rua Martim Farto; Calçada dos Sapateiros;
Rua da Matriz; Travessa dos Anjos; e Travessa da Nossa Senhora do Pilar,
continua a ser conhecido e designado por Largo da Matriz, é como se tivesse
redivivo, recalcitrantemente, na boca do povo; uma mão lava a outra e as duas
lavam a cara.
A Igreja Matriz,
outrora, como anteriormente referenciado, Igreja de São Clemente, com a sua
fálica e ingente Torre Sineira, onde, no seu términos, se encontra alcandorado
um cupulim, que, no cumprimento do seu munús, ao longo de gerações de egrégios
louletanos, chamou a grei à oração; crentes e incréus, às festividades, às
celebrações fúnebres e quando assim se justificou a rebate; alma de muitas
almas, “Agnus Dei”, rua de muitas
lágrimas, agonias e alegrias, quis Deus, e assim o Homem dispôs, que a imponência
e magnificência da forma, corpo e santidade, rivaliza-se com a sua altivez
terrena, embora consciente do seu papel monumental e impar no desenvolvimento –
profano e religioso – da alma de um povo ufano de si próprio e da sua cepa
ancestral, forjada em bigornas de ferro, fornos e tinas de água, dando origem
às mais dissemelhantes matizes e gradações de ser e estar; do tudo ao nada -
sopro que eleva a pluma ou bota cardada
que esmaga insecto incauto – lobrigar lapidar semelhante pedra preciosa ainda
em bruto era e é, cada vez mais o é, no sistema esofágico da ecúmena, em que o
predador e vitima se confundem numa camuflada cortesia de quem vai abocanhar
quem e quando, numa ablepsia e/ou prosopagnosia compulsiva colectiva, ablegando
e obliterando a razão, traduz-se numa tarefa hercúlea cooptar vontades
marginais e singulares em torno de um ideal; o fazer o bem e o bem-fazer e
estar, desiderato acerbo, mas outrossim sublime “Dei gratia”.
“…a Igreja Matriz é o principal monumento religioso, a Casa de Deus, a
Catedral de Loulé,…”, Pedro de
Freitas dixit, as origens desta
igreja remontam à segunda metade do século XIII, provavelmente encomendada pelo
arcebispo de Braga D. João Viegas que, em 1251, incumbiu os frades dominicanos
de construir vários templos no Algarve. No século XVI foram acrescentadas
algumas capelas laterais e construídos cinco retábulos, destacando-se o da
capela das Almas. Os terramotos de 1775, de 1856 e de 1969 danificaram bastante
esta igreja. A intervenção no edifício após este último terramoto valorizou
alguns elementos medievais adulterados na reconstrução oitocentista. Foi
classificada como Monumento Nacional em 1924; Diário do Governo n.º 137, de 20
de Junho de 1924.
Presta-se aqui, por
relevante, uma homenagem a quem muito fez pela igreja, pelo povo e pela terra
que o albergou o viu viver e falecer, ao dilecto padre João Coelho Cabanita,
homem de grande devoção e saber, também conhecido, carinhosa e respeitosamente,
entre as gentes da terra e arrabaldes, como também fora da zona de influência
do município, por “prior Cabanita”, a
quem todos muito devemos enquanto homem e condutor de rebanhos abnegado e
arreigado à sua comunidade. O seu sentido de dever, lealdade e responsabilidade
foi irrepreensível, a sua missão sempre renovada em cada desafio da vida e das
vidas, a sua demanda da senda da fé, o seu julgamento misericordioso e
compassivo, a sua vontade e disponibilidade de ajudar o próximo, enfim um sem
número de atributos morais e humanos ímpares que nos escusamos, por amplo conhecimento
de vida e obra, de enumerar, relembrando contudo e tão somente um estrato de
texto que nos deixou o Sr. Pedro de Freitas, sic “…, sacerdote de altas
virtudes religiosas, correcto, disciplinado, tão popular como aplicado ao múnus
do seu evangelho, …”.
tÓ manÉ Editions
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