Caminharam,
caminharam perdidos, no, ou do rumo, ou quiçá, ainda, deambulando de e em rumo
incerto, por de certezas nada haver e de incertezas um mundo cheio.
Adrião deixou-se
embalar pelo ritmo sincopado, doce, das tuas palavras, Ana, e enganar pelo
cuspir azedo, acre, das suas respostas; palavras meigas e sedutoras não merecem
irmãs agres e acintosas, ainda assim, que ázimas, mas quem seria Adrião se
assim o não fosse?...
É já tarde na
manhã ou poderá, Adrião, chamar-lhe o piscar de olho do início da tarde. Faz
calor, faz mesmo muito calor, abafa diria mesmo, disse de si para si Adrião.
Porém Ana, não desarma, o roxo vestido, leve como seda, que lhe cobre a
vergonha ou a ausência dela, e, no seu esplendor, verga a indecente
indumentária que Adrião traja; Ana enverga a inocência e Adrião transveste a
culpa.
Como poderás tu
ter calor Ana se encarnas o paraíso e eu, eu, o inferno ou quanto muito, na melhor
das hipóteses, o purgatório, vai ruminando Adrião a cada passo.
Assim, Ana, leve
e pura leva-te, e tu, Adrião, pesado, tão pesado quanto acrónimo que te
persegue desde catecúmeno, permites que te arrastem; iludido, néscio, estulto,
todavia consciente, ainda ousas; como podes tu ousar semelhante apostasia
Adrião, pensar que o caminho o desbravo tu, quando, na realidade, e alfim, é a
Ana, que o rasga e que o trilha. Sim Adrião não és tu, é a Ana!
Da sua inocência
fizes-te farol, estrela polar, estrela da manhã, para guiar o teu eclipse total,
que rege a noite das tuas noites e dos teus dias, do ser revolto que és tu,
assim indecentemente incoerente e irreverente. Diz o povo que “candeia que vai
à frente alumia duas vezes” só a tua vai sempre apagada; falta de petróleo, por
certo – é a crise… e, forma estranha, o teu caminho é percorrida às cegas, às
apalpadelas; aos impulsos, aos sonhos…
Atrever-me-ei a
sonhar contigo Ana?... Atrevi-me a sonhar contigo Ana?... Gritou-te, cobarde, o
teu cérebro, um dia, um dia daqueles (trans)lúcido em que a realidade se
mistura de forma diáfana ou mesmo profana com o sonho, em que a tua boca não se
atreveu a soprar um halo quente quanto mais uma palavra que fosse… Mas o facto,
Adrião, é que sim! E o sim às duas perguntas, é a resposta. E mais,
surripias-te ao teu cérebro uma ideia peregrina Adrião, que por transmissão
neurológica incutiste no teu absurdo ser, ser que desmerece mas afoita-se,
sobrando-lhe em audácia e intrepidez o que lhe falta em discernimento.
E, assim,
impulsionado por comando neuropsicológico, avanças na obediência do comando que
reverbera em cada cm2 da tua derme: És tudo o que eu desmereço, contudo o que
eu almejaria?!... sonhos?... impulsos?... é a mente que te mente Adrião e
Adrião tu escolhes-te acreditar…
E, assim, Adrião,
docemente, vais, a Ana, para a sombra arrastando.
E assim, Adrião
vaia-la seduzindo, pois, Ana, tu assim o desejas e Adrião assim o quer; bruto o
desejo do querer.
Estás cansado, o
trajo que trajas e o calor afundam-te, induzem-te à sombra; deles, aqui, já foi
feito o devido apanágio, na brincadeira ou a disfarçar esta, agarras,
suavemente, a sua mão macia, de dedos longos, a tua mão Ana, faz-te rodopiar,
meio passo de valsa, e mansamente, obriga-te, sem que o saibas, a sentares a
verdade e origem dos movimentos harmónicos, sobre o morno assento de um banco,
à sombra, à beira Tejo, no Parque das Nações; como já foi referido está calor,
muito calor, …
Senta-se a teu
lado, quase irmão siamês, e à sorrelfa pousa-te um beijo, roubado, húmido, a
meio percurso do espaço exótico, suavemente perfumado, existente entre a tua
orelha e o ombro direito, soprando-te em surdina, no teu pavilhão auricular
direito, um: obrigado Ana és um anjo!
Abres, Ana, entre
a comissura dos teus lábios, um sorriso, estendes-lhe a mão, morna,
convidativa, todavia inocente. Aproveitando o ensejo, Adrião, entrelaça os seus
nos teus dedos e retribui o sorriso em versão ampliada, acrescida tecnologia de
ponta; uffer, sub-uffer e um twitter de elevada potencia hertziana.
Ali, perto,
ouve-se o riso das crianças e o bulício das suas brincadeiras e jogos de
aprender a crescer, criativas e plenas de peripécias – os polícias e os ladrões
– que afinal não são mais que Ana e Adrião.
Mais além, voga,
junto à Ponte Vasco da Gama, um barco de pesca recreativa; pescam corvinas,
penso eu, estamos na segunda metade de Setembro, mas que importância ou
relevância terá isso ou isto; vítima e predador.
Quero roubar-te
um “beijo francês”, pede ousadamente Adrião a Ana, mas Ana fala língua do amor a
Adrião, e Adrião atónito, lobriga a diferença: eu, eu, falo-lhe de sexo, e ela
ò meus Deus…, e, assim, o beijo perde-se no eco e no interlúdio entre ambos
amor e sexo, pois a Ana fala venusiano e o Adrião fala marciano. Adrião e Ana
não sabem ou já não se recordam que os homens vieram de Marte e as mulheres de
Vénus, e que se expressam, consequentemente, em dialectos diferentes,
dissemelhantes ou línguas descoincidentes ou dissonantes.
Contudo, Adrião
quer, desesperadamente, Ana! quer-lhe o corpo e quer-lhe a alma! e de facto a
Ana quer, discretamente todavia não menos desesperada, Adrião! Mas quer-lhe a
alma e só depois lhe quer o corpo!...
Formas diferentes
de um mesmo querer; nomeemo-lo do que quisermos e em que língua o quisermos ou
entendermos, que este apelo à natureza animal, grita mais alto, mais elevado que
qualquer denotação que lhe possamos dar, convenhamos!…
São quatro as
cadeiras para onde olho, como quatro são as nossas pernas e os nossos braços e,
de quatro caio por ti Ana, apesar de apenas e somente apoiar os joelhos nas
duras, polidas e mornas pedras de calçada, bradam os sentidos de Adrião, entre
o escorrer, copioso, de bagas grossas de suor, como uma bátega de chuva
tropical que se derramou, subitamente, sobre as suas costas, axilas e têmporas,
estas não derivadas ao calor áspero que se sente, mas sim pela atitude ou acto
a que de sus se pretende.
Adrião, enche o
peito de coragem, toma as duas que são as duas tuas mãos Ana, que lhe cabem à
justa nas suas duas, fita-te, os dois que mais não tens, dizem as gentes que o
outro cego é, e eu, enquanto intruso neste vai vem de emoções, acrescentaria,
se me é próprio, que se reveste de muita veste para que possa ver, contudo
foi-lhe dado ou conferido o sentido da precaução ou medo, dependendo da
intrepidez do seu servente.
Tu, Ana, a Deusa
ele, Adrião, o Sátiro.
A folha de uma
folha, Ana, separa os teus lábios, húmidos, entreabertos, transpirando
sensualidade, carentes, dos dele, frementes, ansiosos, sequiosos, porém o
beijo, esse, não sai das bocas, unindo as vontades, pois está escandalizado, e
no seu dever, a diferença, entende que o gérmen de cada boca, uma pura outra
impura, não se deve misturar e corromper ou quiçá profanar; a santa e o ímpio.
Ana o cheiro do
teu batom, porque hoje usas batom, assim o quero; carmim, ensandece-lhe,
acende-lhe o desejo do beijo que tarda, que não vem. Emmeios, tudo em ti, Ana,
grita: Sim! Sim! Sim!... e o velhaco ou o meliante do beijo não vem!...
Não te posso
enganar mais, ou iludir mais, pois só a mim estou a enganar, pensamento que retumba,
oscila e chocalha num torvelinho de sentimentos dispares que preenchem o espaço
que de cheio transborda do que resta das certezas ou quiçá das dúvidas de
Adrião.
E o estúpido do
beijo não se solta nem se deixa de soltar, ficando preso num limbo entre a
pré-decisão e o arroubo do desejo.
Alheio, o rio
corre, corre louco de desejo para o mar. A preia-mar já lá vai, agora é a
baixa-mar que lá vem, entretanto a maré parou, estacou por minutos, mas aqui,
não há lugar a indecisões, o processo contínua ou é contínuo, não fica
pendente; vai; pára; vem; pára; vai; pára; vem… é ininterrupto, não fica parado
no espaço sideral orbitando em torno de si próprio sem que nada aconteça.
E tal rio, tal
tu, Ana, tal ele, Adrião; vantagem para o rio que cego, louco, frenético e
sedento de sal se vai tumultuosa e sumptuosamente entregar ao mar sem quês nem
porquês… natureza, apenas natureza… simples natureza!...
Eis que sopra, a
maré baixa sempre a traz, uma rajada de vento mais atrevida que te revolta o
vestido, Ana, deixando, por instantes, tuas coxas revelar, sem pretexto algum,
impulso animal puro, nelas, suas mãos, robustas, seguras todavia suaves, Adrião,
pousa, e assim o sol o faz também sobre o mar, esbeltas, macias, suaves,
torneadas, seguras, elegantes, irreverentes esperam que o vestido as cubra,
reponha a condição. Acariciando-as, um instante só que mais entendeu, Adrião,
como uma eternidade, soltas – assim as pretendes Ana – pois sabes que breve o
vento as cobrirá, deixando uma ténue lembrança, ou um pequeno incentivo,
quiçá?...
O calor legou o
seu reino a uma humidade desconfortável. E, Ana, tu sabes que o convite não
tarda, esperas sorrindo o “vamos que está a ficar desagradável” …
E, assim,
partiram, tal como chegaram: Adrião, indo, e tu, Ana, já cá estavas…
Trocaram dos
beijos irmãos…
Ana, tu levas-te
um.
Adrião levou o
outro, contudo sabendo-lhe a pouco.
O sol deixou de
dourar o Tejo.
Vejo as tuas
costas quando rodo o pescoço e depois me volto rodopiando sobre os calcanhares,
e vejo, também, que entre as tuas mãos, em concha, inclinada, a cabeça tens.
Sei que choras!
Adrião, contudo,
não sabe, nem irá saber, pois cabisbaixo, de olhar soturno e de tristeza o
coração transbordante, só cabe nele e na sua imensa mágoa. Demasiado absorto no
seu pesar, demasiado egoísta na sua dor, não olha para trás, talvez para não
chorar, e também de cabeça baixa, não chora é certo, mas a cada passo que
cumpre o espaço entre, a Ana que chora, e o terminal do tempo e do vazio de
alma que nele grassa e com ele também, inexoravelmente, parte.
tÓ mAnÉ Editions
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