segunda-feira, 15 de julho de 2013

Sonhando, crescendo e desejando



Quando eu nasci a minha mãe soube logo que eu era um sonhador, e isso porquê?...
Porque enquanto estive no hospital eu comia e dormia, não tinha mais desejos que comer e sonhar; era um verdadeiro come e dorme ou seja alimentava o corpo e o espírito. 
Porém, quando regressei a casa, e digo regressei porque eu fui e voltei, só que em cabazes ou alcofas diferentes, a minha mãe logo se apercebeu que eu para além de sonhador ainda viria a ser um insatisfeito, um inconformista, um contestatário e para além disso, como se já não bastasse, um irreverente, e com mau feitio, era notório, pois passava boa parte do tempo de goela escancarada, nada me contentava, e para dormir só de companhia, de certa forma podei mesmo afirmar, com algum rigor, que já nasci insone e carente, condições que me tem perseguido a vida inteira.
Com o andar do tempo e o passar dos anos a minha mãe foi-se apercebendo de outras coisas e de outras realidades respeitantes à minha personalidade eu era: teimoso, quezilento, egoísta, orgulhoso, castrador, embirrento, estúpido, agressivo, instigador, desconfiado, autocrata e perigosamente inteligente, mas de bom coração; a bem levavam-me para o inferno a prestar cortesia ao Sátiro rabudo e até mesmo a sentar-me à sua mesa para com ele jantar e até confraternizar, a mal, todavia, nem ao céu ou ao paraíso para visitar Deus ou a um coro infindável de virgens num éden edílico para beber a Sua palavra ou para me deleitar com os mais requintados, subtis e elaborados dos néctares e prazeres.
Tristes ou afortunadas realidades que tenazmente me têm ensombrado ou ensolarado os meus dias e as minhas parcas noites de sono, espelhos do que fui ou deixei de ser e do que sou ou me deixam ser.
Nunca me regi por padrões e convenções e muito menos os denominados de convencionais e tradicionais ou os socialmente aceites, hipocritamente como tal. Adepto incondicional do diferente, do desviado, do alternativo e do fazer diferente e tratar diferente o que é igual para toda a gente e sempre pronto a assumir cabalmente as consequências dos meus actos e desta minha forma de estar e ser; mais é o tempo em que ando de reboleta e aos tombos pelo chão e na lama que aquele em que consigo manter-me sustento nos pés ou de pé se assim o quiserem, contudo quer de uma quer de outra maneira, sempre sustentei uma verticalidade sóbria e austera, que para muitos raia o obsceno, o arrogante, o petulante, mas muito minha, mesmo muito minha e que ostento com grande orgulho desmedido e sem preconceito.
Há uns anos bons vi um western ou um filme de cowboys, como há época eram conhecidos, sobre a vida e a ascensão e morte de um tal de general Custer e a célebre, desditosa e fatidica batalha, para o sétimo de cavalaria dos Estados Unidos, travada com uma coalizão de Cheyennes e de Siouxos, comandados, respectivamente, por Touro Sentado (Sitting Bull) e Cavalo Louco (Crazy Horse) nas cercanias do rio Little Bighorn, que se intitula “Todos morreram calçados”, magistralmente interpretado pelo actor Errol Flynn, pois eu intento ou melhor quero mesmo é morrer de pé, na vertical e não curvado, de quatro, decúbito, em pose de submissão como um macaco qualquer envergando um fato e uma gravata, não descurando ou menosprezando a minha condição de símio e nem tão pouco a dos outros símios de ascendências ou ordens dissemelhantes, por mim sobejamente considerados e merecedores do meu profundo respeito.
Sou hoje o reflexo desejável, apesar e muitas vezes ou quase sempre não desejado, e ser um ser, um indivíduo que não liga que não faz parte da amálgama; a liga que liga os metais que na forja se tornam unos e na bigorna esculpem e moldam o tempo e a condição da sua vida, com a sua condição suburbana ou pré-urbana, por poucos desejado ou querido, por muitos até temido e por outros, poucos, muito poucos, mas há-os, os que entre estes sentimentos adiram à condição do respeito, salvaguardando as devidas distâncias.
Em súmula, dizendo melhor em sinopse, sou uma desconformidade, um desviado do contínuo do tecido social, também hoje pomposamente apelidado de massa crítica, que de massa só contem a parte informe e de crítica só se for interior, a surda, que jaz, intemporalmente ou ad eternum no córtex cerebral e no bulbo ou bolbo raquidiano sem que se efectuem ou gerem qualquer tipo de sinapses que induzam em fala ou o simples respirar desta; um desenquadrado, um descontinuado, imposição da minha incontinência verbal.

tÓ mAnÉ  Editions  

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