Caminhamos,
caminhamos perdidos no ou do rumo ou quiçá, ainda, deambulando de e em rumo
incerto, por de certezas nada haver.
Deixo-me embalar
pelo ritmo sincopado, doce, das tuas palavras e enganar pelo cuspir azedo,
acre, das minhas respostas; palavras meigas e sedutoras não merecem irmãs agres
e acintosas, ainda assim, que ázimas, mas quem seria eu se assim eu não
fosse?...
É já tarde na
manhã ou poder-lhe-ei chamar o piscar de olho do início da tarde. Faz calor,
faz mesmo muito calor, abafa diria mesmo, mas Ana, tu não desarmas, o roxo
vestido, leve como seda, que te cobre a vergonha ou a ausência dela, verga a
indecente indumentária que trajo. Envergas a inocência e eu transvisto a culpa,
como poderás tu ter calor se encarnas o paraíso e eu, eu, o inferno ou quanto
muito, na melhor das hipóteses, o purgatório.
Assim, leve e
pura levas-me, e eu, pesado, deixo que me arrastes; iludido, néscio, estulto,
todavia consciente, ainda ouso pensar que o caminho o desbravo eu, quando, na
realidade, e alfim, és tu que o rasgas e trilhas. Sim és tu, Ana!
Da tua inocência
faço farol, estrela polar, estrela da manhã, para guiar o meu eclipse total que
rege a noite das minhas noites e dos meus dias, do ser revolto que sou eu,
assim indecentemente incoerente e irreverente. Diz o povo que “candeia que vai
à frente alumia duas vezes” só a minha vai sempre apagada; falta de petróleo,
por certo – é a crise… e, forma estranha, o meu caminho é percorrido às cegas,
às apalpadelas; aos impulsos, aos sonhos…
Atrever-me-ei a
sonhar contigo Ana?...
Atrevi-me a
sonhar contigo Ana?...
És tudo o que eu
desmereço, contudo o que eu almejaria?!... sonhos?... impulsos?...
E, assim, te vou
arrastando para a sombra.
E assim, te vou
seduzindo, pois tu assim o desejas e eu assim o quero; bruto desejo do querer.
Estou cansado, o
trajo que trajo e o calor afundam-me, induzem-me à sombra; deles, aqui, já fiz a
devida referência, na brincadeira ou a disfarçar esta, agarro, suavemente, a
tua mão macia, de dedos longos, faço-te rodopiar, meio passo de valsa, e
mansamente, obrigo-te, sem que o saibas, a sentar a verdade e origem dos
movimentos harmónicos, sobre o morno assento de um banco, à sombra, à beira
Tejo, no Parque das Nações; como referi está calor, muito calor, …
Sento-me a teu
lado, quase irmão siamês, e à sorrelfa pouso-te um beijo, roubado, húmido, a
meio percurso do espaço exótico, suavemente perfumado, existente entre a tua
orelha e o ombro direito, soprando em surdina no teu pavilhão auricular direito
um: obrigado Ana és um anjo!
Abres, entre a
comissura dos lábios, um sorriso, estendes-me a mão, morna, convidativa,
todavia inocente. Entrelaço os meus nos teus dedos e retribuo o sorriso em
versão ampliada.
Ali, perto, oiço
o riso das crianças e o bulício das suas brincadeiras e jogos de aprender a
crescer, criativas e plenas de peripécias – os polícias e os ladrões – que
afinal não são mais que tu e eu.
Mais além, voga,
junto à Ponte Vasco da Gama, um barco de pesca recreativa; pescam corvinas,
penso eu, estamos na segunda metade de Setembro, mas que importância ou
relevância terá isso; vítima e predador.
Quero roubar-te
um “beijo francês”, mas Ana falas-me de amor e eu, eu, falo-te de sexo e o
beijo perde-se no eco e no interlúdio entre ambos amor/sexo, pois tu falas
venusiano e eu falo marciano; sabes Ana os homens vieram de Marte e as mulheres
de Vénus, expressando-se, consequentemente, em dialectos diferentes
dissemelhantes ou línguas diferentes.
Contudo sei que
me queres!... e de facto eu quero-te!... chamemos-lhe o que quisermos e em que
língua o quisermos ou entendermos…
São quatro as
cadeiras para onde olho, como quatro são as nossas pernas e os nossos braços e,
de quatro caio por ti Ana, apesar de apenas e somente apoiar os joelhos nas
duras, polidas e mornas pedras de calçada, tomo duas que são as duas tuas mãos
que cabem à justa nas minhas, olho dois que mais não tens, dizem as gentes que
o outro cego é, e eu acrescentaria, se me é próprio, que se reveste de muita
veste para que possa ver, contudo foi-lhe dado ou conferido o sentido da
precaução ou medo, dependendo da intrepidez do seu servente.
Tu Deusa eu
Sátiro.
A folha de uma
folha separa os teus lábios, húmidos, dos meus frementes, ansiosos, sequiosos,
porém o beijo, esse, não sai das bocas, unindo as vontades, pois está
escandalizado, e no seu dever, a diferença, entende que o gérmen de cada boca,
uma pura outra impura, não se devem misturar e corromper ou quiçá profanar.
O cheiro do teu
batom, porque hoje usas batom, assim o quero; carmim, ensandece-me, acende-me o
desejo do beijo que tarda, que não vem. Emmeios, tudo em ti grita: Sim! Sim!
Sim!... e o velhaco do beijo não vem!...
Não te posso
enganar mais, pois só me a mim estou a enganar, e o estúpido do beijo não se
solta nem se deixa de soltar.
Alheio, o rio
corre, corre louco de desejo para o mar. A preia-mar já lá vai, agora é a
baixa-mar que lá vem, entretanto a maré parou, estacou por minutos, mas aqui o
processo contínua, não fica pendente; vai; pára; vem; pára; vai; vem, é
ininterrupto, não fica parado no espaço sideral orbitando em torno de si
próprio sem que nada aconteça.
E tal rio, tal
tu, tal eu; vantagem para o rio que cego, louco, frenético e sedento de sal se
vai tumultuosa e sumptuosamente entregar ao mar sem quês nem porquês… natureza,
apenas natureza… simples natureza!...
Eis que sopra, a
maré baixa sempre a traz, uma rajada de vento mais atrevida que te revolta o
vestido deixando, por instantes, as coxas revelar, sem pretexto algum, nelas,
as mãos, suavemente pouso, e assim o sol o faz também sobre o mar, macias,
suaves, torneadas, seguras, elegantes, irreverentes esperam que o vestido as
cubra, reponha a condição. Acaricio-as, um instante só, soltas – assim as
pretendes – pois sabes que breve o vento as cobrirá, deixando uma ténue lembrança,
ou um pequeno incentivo, quiçá?...
O calor legou o
seu reino a uma humidade desconfortável. E, Ana, tu sabes que o convite não
tarda, esperas sorrindo o “vamos que está a ficar desagradável” … Assim,
partimos, tal como chegámos: eu indo e tu já cá estavas…
Trocámos dos
beijos irmãos…
Ana, tu levas um.
Eu levo o outro,
contudo sabendo-me a pouco.
O sol deixou de
dourar o Tejo. Vejo as tuas costas quando volto a cabeça e entre as tuas mãos,
em concha, inclinada, tens a cabeça.
tÓ mAnÉ Editions
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