sexta-feira, 12 de julho de 2013

Contos e desencontros



Caminhamos, caminhamos perdidos no ou do rumo ou quiçá, ainda, deambulando de e em rumo incerto, por de certezas nada haver.
Deixo-me embalar pelo ritmo sincopado, doce, das tuas palavras e enganar pelo cuspir azedo, acre, das minhas respostas; palavras meigas e sedutoras não merecem irmãs agres e acintosas, ainda assim, que ázimas, mas quem seria eu se assim eu não fosse?...
É já tarde na manhã ou poder-lhe-ei chamar o piscar de olho do início da tarde. Faz calor, faz mesmo muito calor, abafa diria mesmo, mas Ana, tu não desarmas, o roxo vestido, leve como seda, que te cobre a vergonha ou a ausência dela, verga a indecente indumentária que trajo. Envergas a inocência e eu transvisto a culpa, como poderás tu ter calor se encarnas o paraíso e eu, eu, o inferno ou quanto muito, na melhor das hipóteses, o purgatório.
Assim, leve e pura levas-me, e eu, pesado, deixo que me arrastes; iludido, néscio, estulto, todavia consciente, ainda ouso pensar que o caminho o desbravo eu, quando, na realidade, e alfim, és tu que o rasgas e trilhas. Sim és tu, Ana!
Da tua inocência faço farol, estrela polar, estrela da manhã, para guiar o meu eclipse total que rege a noite das minhas noites e dos meus dias, do ser revolto que sou eu, assim indecentemente incoerente e irreverente. Diz o povo que “candeia que vai à frente alumia duas vezes” só a minha vai sempre apagada; falta de petróleo, por certo – é a crise… e, forma estranha, o meu caminho é percorrido às cegas, às apalpadelas; aos impulsos, aos sonhos…
Atrever-me-ei a sonhar contigo Ana?...
Atrevi-me a sonhar contigo Ana?...
És tudo o que eu desmereço, contudo o que eu almejaria?!... sonhos?... impulsos?...
E, assim, te vou arrastando para a sombra.
E assim, te vou seduzindo, pois tu assim o desejas e eu assim o quero; bruto desejo do querer.
Estou cansado, o trajo que trajo e o calor afundam-me, induzem-me à sombra; deles, aqui, já fiz a devida referência, na brincadeira ou a disfarçar esta, agarro, suavemente, a tua mão macia, de dedos longos, faço-te rodopiar, meio passo de valsa, e mansamente, obrigo-te, sem que o saibas, a sentar a verdade e origem dos movimentos harmónicos, sobre o morno assento de um banco, à sombra, à beira Tejo, no Parque das Nações; como referi está calor, muito calor, …
Sento-me a teu lado, quase irmão siamês, e à sorrelfa pouso-te um beijo, roubado, húmido, a meio percurso do espaço exótico, suavemente perfumado, existente entre a tua orelha e o ombro direito, soprando em surdina no teu pavilhão auricular direito um: obrigado Ana és um anjo!
Abres, entre a comissura dos lábios, um sorriso, estendes-me a mão, morna, convidativa, todavia inocente. Entrelaço os meus nos teus dedos e retribuo o sorriso em versão ampliada. 
Ali, perto, oiço o riso das crianças e o bulício das suas brincadeiras e jogos de aprender a crescer, criativas e plenas de peripécias – os polícias e os ladrões – que afinal não são mais que tu e eu.
Mais além, voga, junto à Ponte Vasco da Gama, um barco de pesca recreativa; pescam corvinas, penso eu, estamos na segunda metade de Setembro, mas que importância ou relevância terá isso; vítima e predador.
Quero roubar-te um “beijo francês”, mas Ana falas-me de amor e eu, eu, falo-te de sexo e o beijo perde-se no eco e no interlúdio entre ambos amor/sexo, pois tu falas venusiano e eu falo marciano; sabes Ana os homens vieram de Marte e as mulheres de Vénus, expressando-se, consequentemente, em dialectos diferentes dissemelhantes ou línguas diferentes.
Contudo sei que me queres!... e de facto eu quero-te!... chamemos-lhe o que quisermos e em que língua o quisermos ou entendermos…
São quatro as cadeiras para onde olho, como quatro são as nossas pernas e os nossos braços e, de quatro caio por ti Ana, apesar de apenas e somente apoiar os joelhos nas duras, polidas e mornas pedras de calçada, tomo duas que são as duas tuas mãos que cabem à justa nas minhas, olho dois que mais não tens, dizem as gentes que o outro cego é, e eu acrescentaria, se me é próprio, que se reveste de muita veste para que possa ver, contudo foi-lhe dado ou conferido o sentido da precaução ou medo, dependendo da intrepidez do seu servente.
Tu Deusa eu Sátiro.
A folha de uma folha separa os teus lábios, húmidos, dos meus frementes, ansiosos, sequiosos, porém o beijo, esse, não sai das bocas, unindo as vontades, pois está escandalizado, e no seu dever, a diferença, entende que o gérmen de cada boca, uma pura outra impura, não se devem misturar e corromper ou quiçá profanar.
O cheiro do teu batom, porque hoje usas batom, assim o quero; carmim, ensandece-me, acende-me o desejo do beijo que tarda, que não vem. Emmeios, tudo em ti grita: Sim! Sim! Sim!... e o velhaco do beijo não vem!...
Não te posso enganar mais, pois só me a mim estou a enganar, e o estúpido do beijo não se solta nem se deixa de soltar.
Alheio, o rio corre, corre louco de desejo para o mar. A preia-mar já lá vai, agora é a baixa-mar que lá vem, entretanto a maré parou, estacou por minutos, mas aqui o processo contínua, não fica pendente; vai; pára; vem; pára; vai; vem, é ininterrupto, não fica parado no espaço sideral orbitando em torno de si próprio sem que nada aconteça.
E tal rio, tal tu, tal eu; vantagem para o rio que cego, louco, frenético e sedento de sal se vai tumultuosa e sumptuosamente entregar ao mar sem quês nem porquês… natureza, apenas natureza… simples natureza!...
Eis que sopra, a maré baixa sempre a traz, uma rajada de vento mais atrevida que te revolta o vestido deixando, por instantes, as coxas revelar, sem pretexto algum, nelas, as mãos, suavemente pouso, e assim o sol o faz também sobre o mar, macias, suaves, torneadas, seguras, elegantes, irreverentes esperam que o vestido as cubra, reponha a condição. Acaricio-as, um instante só, soltas – assim as pretendes – pois sabes que breve o vento as cobrirá, deixando uma ténue lembrança, ou um pequeno incentivo, quiçá?...
O calor legou o seu reino a uma humidade desconfortável. E, Ana, tu sabes que o convite não tarda, esperas sorrindo o “vamos que está a ficar desagradável” … Assim, partimos, tal como chegámos: eu indo e tu já cá estavas…
Trocámos dos beijos irmãos…
Ana, tu levas um.
Eu levo o outro, contudo sabendo-me a pouco.
O sol deixou de dourar o Tejo. Vejo as tuas costas quando volto a cabeça e entre as tuas mãos, em concha, inclinada, tens a cabeça.

tÓ mAnÉ   Editions    

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